Por Deborah Fortuna e Renato Souza, especiais para o Correio
Quem costuma pechinchar descontos na hora do pagamento sabe que essa é uma prática comum no comércio e ganhou um incentivo com a permissão para que as empresas apliquem uma taxa ou reduzam os preços levando em conta a forma de pagamento. A mudança está em vigor graças a uma medida provisória, publicada no Diário Oficial da União no fim do ano passado, que permite aos comerciantes cobrarem preços diferentes dependendo do tipo de transação: à vista, em cheques ou com cartões de crédito e de débito. A mudança faz parte de uma série de medidas anunciadas pelo governo federal com o objetivo de elevar a produtividade e de estimular a recuperação da economia do país. A justificativa é que a medida reduz os impostos cobrados pelas máquinas de cartão e, para o consumidor, regulariza uma prática comum do comércio e estimula a competição entre os diferentes meios de pagamento.
A esperança de quem compra é que os preços sejam reduzidos para quem paga à vista, seja no cartão ou em dinheiro. O músico Eustáquio Pereira, 71 anos, acredita que, se as taxas do cartão de crédito não subirem sem limites, o cliente deve ser beneficiado pelas mudanças. Ele se preocupa, no entanto, com a segurança das pessoas que optarem por andar com dinheiro no bolso. “Vejo essa mudança como algo bom para quem consome. Eu mesmo geralmente compro no cartão, mas sempre prefiro no débito. As pessoas devem passar a andar mais com dinheiro. Mas aí a preocupação é com a segurança, pois dinheiro no bolso é um atrativo para os criminosos”, destaca.
O uso do cartão no comércio cresce a cada ano no Brasil, em todas as classes sociais, mas ainda está longe de superar o uso do dinheiro vivo no dia a dia dos brasileiros. De acordo com dados de um levantamento feito pela Kantar Worldpanel, 65% dos pagamentos em alimentação e higiene são feitos em cédula ou moeda. Em 2008, esse percentual alcançava 69%. Enquanto isso, entre 2008 e 2016, cresceu a participação dos cartões de crédito (de 12% para 15%) e de débito (de 5% para 8%) nas transações.
Segundo dados divulgados pelo Banco Central do Brasil, em 2015, as transações com cartão de crédito movimentaram R$ 653 bilhões apenas no cartão de crédito. Já o cartão de débito foi responsável por movimentar R$ 390 bilhões. Segundo o Banco Central, somente os pagamentos com cheque movimentaram R$ 1,1 trilhão no ano passado.
Divergências
A mudança divide opiniões de instituições que representam os empresários e os consumidores. Para o assessor econômico da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), Guilherme Dietze, a medida é um jogo de mercado que pode beneficiar tanto o comerciante quanto o consumidor, já que agora há a possibilidade de ser decidido quanto cobrar ou pagar. “Ainda mais em momento de crise. O consumidor vai buscar as melhores formas de manter o seu nível de consumo e, com desconto maior, vai conseguir até aumentar a quantidade de compra”, afirma.
Além disso, para ele, não necessariamente uma pessoa vai deixar de comprar no cartão apenas por causa do preço menor, já que existem outras vantagens. A medida é só uma forma de deixar o consumidor decidir. “Favorece as pessoas que lutam para o equilíbrio de orçamento. São pessoas de classe mais baixa, às vezes não têm acesso ao sistema financeiro ou recebem no dinheiro. Essas pessoas vão poder fazer barganha na hora das compras”, explica.
Já para o Henrique Lian, gerente de políticas públicas da Proteste, órgão que atua na defesa do consumidor, a medida vai na contramão do mundo contemporâneo, que privilegia as formas de crédito, e não o pagamento em moeda.“Os cartões são seguros, todos pagamos por eles, afinal há a anuidade do cartão e há uma tendência no mundo, por questão de segurança”, afirma.
Além disso, para ele, a ação restringe a liberdade do consumidor e não o contrário. “Uma vez que o preço pode variar em função das formas de pagamento, vai ficar difícil saber qual de fato é o valor do produto”, diz. De acordo com Lian, a medida não vai injetar mais dinheiro no mercado e o comércio pode dar desconto a qualquer momento para os consumidores, sem precisar de lei em função do pagamento.
A medida provisória já está valendo, mas, após o período de vigência, dependerá da aprovação do Congresso Nacional para que seja transformada definitivamente em lei. A mudança vale tanto para pequenas quanto para médias e grandes empresas que usam o serviço de cartão de crédito ou débito. O empresário Giuseppe Modafferi, responsável por um restaurante de comida italiana da Asa Sul, acredita que a mudança é positiva tanto para empresas quanto ao consumidor.
Giuseppe alega que o repasse do crédito apenas 30 dias após a transação, por meio do cartão, é um problema que força as empresas a rejeitarem esse tipo de pagamento. “Avaliando essa decisão tomada pelo governo, é possível prever que os descontos para quem pagar em dinheiro podem chegar a até 10% do valor dos produtos. Mas ainda existem vantagens ao consumidor, como a oferta de milhas para quem usa o cartão. Então o cliente é quem vai avaliar qual é a melhor opção”, afirma. “Aqui no restaurante vamos continuar oferecendo todas as opções, seja em cartão ou em dinheiro”, ressalta Giuseppe.