Burocracia emperra portabilidade no Brasil

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A possibilidade de trocar de empresa caso ela não ofereça um bom serviço é o maior trunfo do consumidor na busca pela excelência no atendimento. Aproveitando dessa vantagem do cliente, as agências reguladoras e o Banco Central abriram a portabilidade em áreas antes reservadas como a telefonia, plano de saúde e bancos. Assim, com as novas normas, os clientes insatisfeitos poderiam migrar de empresa sem prejuízos e o mercado se tornaria mais competitivo.

Embora as normas de portabilidade estejam no mercado – algumas vigentes há sete anos -, conseguir mudar de uma empresa para outra ainda é sinônimo de problemas para boa parte dos consumidores, principalmente quando se fala de telefonia, plano de saúde e banco. Os clientes esbarram no excesso de burocracia, na falta de formação dos funcionários das companhias e no desinteresse da empresa em perder o cliente. Com isso, muitos evitam trocar de operadora ou de banco temendo a dor de cabeça.

As privatizações da década de 1990 deram força à portabilidade, uma vez que aumentou a quantidade de empresas que prestam o serviço. Com poucas opções, o consumidor não tinha mobilidade e precisava se submeter ao que era ofertado pela empresa estatal. Embora os serviços tenham mais empresas atuando, as associações de consumidores lembram que ainda são poucas, o que reduz o poder de comparação. “O consumidor não tem muito para onde correr, temos quatro empresas grandes de telefonia, um número reduzido de bancos e de operadoras de plano de saúde. Isso contribui também para o consumidor não se animar tanto com a portabilidade”, explica Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores.

A telefonia foi o serviço que se adaptou melhor à possibilidade de mudança e o consumidor até encara trocar de operadora. Parte dessa facilidade deve-se à natureza do que é ofertado. Entretanto, Maria Inês lembra que os clientes ainda não tem 100% de satisfação do serviço. “Fica resquício de conta a pagar, o sinal fica ruim por um tempo e alguns aparelhos demoram para fazer ligação”. A possibilidade de troca de operadora está vigente em todo o Brasil desde 2008.

Quando se fala em plano de saúde, a portabilidade torna-se tarefa mais complicada, seja pela quantidade de planos de saúde ofertados no mercado, seja pela complexidade do serviço. A portabilidade foi regulamentada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2009 e sofreu alterações em 2011, na tentativa de facilitar a mobilidade do usuário. Para a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Joana Cruz, a maior dificuldade com a mudança de operadora de plano de saúde é a quantidade de regras e os prazos de carência. “São muitas e complicadas. Nem sempre o consumidor é bem informado e não entende os trâmites”, analisa.

José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), defende que as regras são claras e, se, seguidas da maneira correta, as operadoras fazem a transição. “É bem possível que o consumidor que não consegue a portabilidade é porque não segue o roteiro completo. As operadoras não podem negar, não tem como colocar obstáculo. A baixa quantidade de portabilidade não é por causa das operadoras, é porque os beneficiários não veem motivo para mudar de plano”, afirma.

Portabilidade de dívidas

 Desde 2006, uma resolução do Banco Central permite que o cliente ofereça a sua dívida a outro banco na procura de taxas de juros menores. Vale tanto para o financiamentos como empréstimos. Porém, um levantamento feito pela Proteste Associação de Consumidores mostrou que os bancos brasileiros não estão preparados ainda. Muitos fazem a propaganda da portabilidade, mas na hora que o cliente procura uma agência recebe uma negativa do gerente ou se depara com funcionários mal preparados.

A Proteste tentou a portabilidade de crédito no Banco do Brasil, Caixa, IBI, HSBC e Itaú e não conseguiu em nenhuma das instituições financeiras. Mesmo naquelas que iriam receber o débito. As instituições alegaram dificuldade para registrar a demanda e ausência de um sistema que permita transferir os dados entre os bancos.

A própria Federação Brasileira de Banco admite que é preciso facilitar a portabilidade, tanto que informou, via nota, que está desenvolvendo um novo sistema para facilitar a portabilidade eletrônica. “Trata-se de um acordo operacional entre os bancos, cujo objetivo é facilitar e dar transparência ao processo de portabilidade, respeitando as diretrizes regulatórias.”

O funcionário público Rodrigo Curi Garcia, 33 anos, tenta, desde janeiro deste ano, transferir o financiamento imobiliário do Santander para a Caixa. A dificuldade está na burocracia. Ele comprou um imóvel em Águas Claras que a obra do prédio era financiada pelo Santander. Quando recebeu a chave, a dívida do apartamento dele foi transferida para o Santander. “Na época eu aceitei porque era o melhor negócio, depois pesquisei as taxas de juros e vi que a Caixa trabalhava com índices mais competitivos. Porém, quando fui trocar de banco começou a dor de cabeça”, conta.

                                   

Rodrigo levou até a Caixa os documentos para a transferência do financiamento imobiliário. Foi aí que começou o problema. O financiamento da Caixa se dá via escritura pública, enquanto o do Santander, por meio de contrato. Dessa forma, para transferir a dívida, o banco Santander precisa assinar em cartório o documento. Porém, o Santander exigiu que Rodrigo mandasse um tabelião para São Paulo onde está o representante legal do banco.

“Fui nos cartórios de Brasília e eles informaram que não tem esse procedimento. O engraçado é que o meu contrato foi assinado com representantes que estão em Brasília, pra mim, está claro que o banco está dificultando a portabilidade”, desabafa. Rodrigo tentou resolver a situação pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor, Ouvidoria, Procon, Banco Central e entrou com uma ação judicial. “Estou me sentindo um cidadão abandonado. Tenho um direito de mudar a dívida e não consigo.” O Santander informou que o cliente já tinha sido esclarecido e orientado via Ouvidoria sobre os procedimentos necessários para conclusão do processo portabilidade de seu financiamento imobiliário.

Como agir:

Caso o consumidor encontre dificuldades para conseguir a portabilidade, deve procurar as agências reguladoras, o Banco Central e órgãos de defesa do consumidor, como o Procon. Se a questão não for resolvida nessas instâncias, pode recorrer ao poder judiciário.


Para saber mais:

    Na ANS existe a portabilidade tradicional, que é a que se refere esta reportagem, e a especial. A especial ocorre quando uma operadora de saúde está sob intervenção da ANS, nesses casos, os documentos necessários e os prazos são diferenciados. Usuários da Unimed Brasília, por exemplo, podem fazer a portabilidade especial até o dia 18 de agosto. Mais informações no site www.ans.gov.br.

Veja aqui as regras de portabilidade