Audiência pública deve definir regras para informação de substâncias alergênicas nos rótulos

Publicado em Sem categoria
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai realizar no início do próximo mês uma audiência pública para discutir os termos da resolução que deve obrigar a indústria a informar no rótulo dos produtos a presença de substâncias alergênicas. O texto prevê regras para as oito principais categorias de alimentos alergênicos: leite, ovos, amendoim, nozes, trigo, crustáceos, peixes, soja e látex natural, que está presente em luvas de manipulação e embalagens de alimentos. A norma abrangerá os segmentos de alimentos, medicamentos e produtos de uso pessoal. Atualmente no Brasil não há legislação que obrigue os fabricantes a expor em destaque, nos rótulos dos produtos, a presença de substâncias alergênicas.

A busca pelo direito à informação nas embalagens dos alimentos ganhou força no Brasil no último ano. A estimativa é que 8% das crianças brasileiras e 3% dos adultos possuam alergia alimentar no país. Com a campanha #poenorotulo, mães e alérgicos de todo o Brasil mobilizaram as redes sociais e chegaram a conseguir 81 mil curtidas no Facebook. O intuito é o de sensibilizar a sociedade e a Anvisa da necessidade de uma norma que obrigue as indústrias a informar se o produto a ser consumido pode causar reação alérgica. “Eu não quero uma foto enorme de um morango no rótulo, eu quero informação de qualidade no produto que eu estou consumindo”, explica Cecília Cury, advogada e coordenadora da campanha #poenorotulo.

A causa chegou no Judiciário e, no fim de março, a Justiça Federal acatou o pedido do Ministério Público do Sergipe da urgência de criar a norma sobre o assunto e deu 90 dias para a Anvisa elaborar um texto informativo padrão que deve vir nos rótulos e nas bulas. “A regulamentação desses alimentos é necessária e demorou para acontecer. A Anvisa só começou a agir depois que foi provocada pelo Judiciário”, avalia Maria Inês Dolci, coordenadora-institucional da Proteste Associação de Consumidores.
A servidora pública Giselle Freire Arrais, 34 anos, passou um sufoco com o filho Murilo, 8 meses, por causa da falta de informação no rótulo. O pequeno tem alergia a ovo e, desde que os exames apontaram a sensibilidade, Giselle passou a ler todas as informações do rótulo para evitar problemas. “O pediatra chegou a me passar uma lista com os nomes de substâncias que aparecem nas embalagens e que podem indicar presença de ovo”, comenta. Quando Murilo estava com 7 meses, Giselle resolveu fazer a papinha com macarrão, leu o rótulo e viu que não tinha nenhum traço de ovo. “Foi a primeira vez que eu dei macarrão pro Murilo, depois que ele comeu, começou a ter urticária e a se coçar muito. Entrei em contato com o pediatra, que ligou no serviço de atendimento da fabricante. A resposta foi que a empresa não tinha obrigação de colocar no rótulo a existência ou não de ovo”, conta Giselle. Para a servidora, a informação no rótulo é essencial para evitar problemas como o vivido por ela.
       
A pressão social e o curto prazo judicial fizeram com que a Anvisa corresse contra o tempo para elaborar a minuta da norma e a colocasse em audiência. No ano passado, a agência chegou a fazer consulta pública sobre o tema e recebeu recorde de participações –  3.531 participantes, que enviaram 5.475 contribuições. Dessas propostas, 96,5% vieram de pessoa física, segundo dados da Anvisa. Moradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais foram os que mais participaram.
Renato Porto, relator da proposta do regulamento na Anvisa, explica que a agência entende que a resolução é importante, entretanto, ressalta que o prazo de 90 dias pode ser insuficiente. “Estamos tentando fazer tudo na data que a Justiça determinou, mas o Judiciário precisa entender que uma matéria dessa envergadura precisa de tempo”, afirma. “Mudar a rotulagem não é da noite para o dia. Não é só chamar a empresa de publicidade e pedir para ela fazer uma embalagem nova, é preciso monitorar toda a cadeia de fabricação e de matéria-prima. O objetivo é uma informação precisa e que o consumidor entenda”, complementa. A preocupação com a cadeia produtiva se dá porque, nas indústrias, há prática de compartilhamento de maquinário para produção de vários produtos e alimentos, o que pode deixar traços da substância alergênica.
O relator explica ainda que, para mudar as informações no rótulo na velocidade pedida pela Justiça e pela sociedade, o Brasil teve que pedir uma autorização especial do Mercosul, uma vez que a rotulagem é padrão para os países-membros.
Prazo
Um dos temas de mais difícil acordo na resolução dos produtos alergênicos é o prazo para a adaptação da norma. Este deve ser um dos assuntos mais debatidos na audiência pública que deve ocorrer no início do próximo mês. Na consulta do ano passado, as associações de consumidores, as pessoas físicas e os participantes do #poenorotulo pediram que as fabricantes tivessem 6 meses para se adaptar. As representantes das indústrias informaram que precisam de um prazo de 36 meses. “A gente tem que chegar a um acordo. O dano não pode ser maior que o benefício. A Anvisa não pode dar um prazo que a cadeia produtiva não consegue cumprir”, explica Porto.
A Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação, representante das fabricantes que devem sofrer o maior impacto com a nova resolução, limitou-se a dizer, por nota, que apoia a criação de mecanismos que favoreçam o acesso e transparência das informações para o consumidor.
Para saber mais:
A Anvisa optou por colocar na norma substâncias que causam alergia e não as que causam intolerância. Isso porque dependendo do grau de sensibilidade, a alergia pode levar à morte, por causa do risco de choque anafilático e fechamento de glote, entre outras reações graves. No Brasil, cerca de 8% das crianças e 3% dos adultos possuem alergia alimentar. A escolha das 8 substâncias foi baseada em estudos internacionais, que demonstram que 90% das alergias são provenientes dessas substâncias.

Informações no rótulo:

>> Como funciona hoje:

Não há legislação que obrigue os fabricantes a expor em destaque, nos rótulos dos produtos, a presença de substâncias alergênicas, nem mesmo se há risco de contaminação no processo de produção. Devido a essa lacuna legal, os consumidores precisam consultar os serviços de atendimento ao cliente ou pegar informações em grupos de alérgicos para checar se determinado alimento ou bebida oferece algum risco à sua saúde ou de familiares e amigos.
>> O que pode mudar:
O texto que está na Anvisa prevê regras para as oito principais categorias de alimentos alergênicos: leite, ovos, amendoim, nozes, trigo (incluídos o centeio, aveia e cevada), crustáceos, peixes, soja e também para o látex natural, que está presente em luvas de manipulação e embalagens de alimentos. A minuta da resolução passará por audiência pública no próximo mês. No ano passado, a consulta pública teve 3.531 participantes, que enviaram 5.475 contribuições. Dessas propostas, 96,5% foram de pessoa física.