A inclusão equivocada do nome de um cliente nos registros dos órgãos de proteção ao crédito – como o SPC e o Serasa – está entre as principais queixas dos consumidores brasileiros. É o quinto item da lista de reclamações quando se soma os atendimentos de todos os Procons brasileiros. Por isso, uma decisão do STJ que desobriga o Serasa a possuir um documento formal provando a dívida e a falta de transparência do funcionamento do cadastro positivo (ele começou a operar definitivamente no início do mês), têm preocupado as associações de defesa dos consumidores.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Proteste, as regras do cadastro positivo ainda não estão claras, o que, no fim pode acabar prejudicando quem entrar na lista. Ainda não se sabe, por exemplo, se a adesão do consumidor será gratuita ou não. À princípio, seria cobrado do consumidor, o que não foi bem visto pelas associações de defesa e levou ao recuo das empresas que vão gerir a lista. Hoje, se o cliente quiser se cadastrar, não pagará por isso. “Mas a gente não sabe até quando esse cadastro será gratuito. Isso não é explicado às claras ao consumidor”, afirma Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Outra preocupação é o acesso às informações prestadas ao cadastro positivo. Quem terá acesso? Como os dados serão transmitidos e repassados? Como será a proteção dos dados para que eles não cheguem a terceiros? “Como a gente não sabe como será o tratamento dos dados, de repente, o consumidor pode se surpreender com incômodos, como ligações de telemarketing oferecendo produtos, por exemplo”, destaca Maria Inês.
As empresas que vão operar o cadastro positivo são as mesmas que cuidam da lista dos negativos: a Serasa e o SPC. “Temos dúvidas de como essas informações vão circular. Se o consumidor não quitar uma dívida e tiver no cadastro positivo, ele será comunicado da mudança no cadastro?”, questiona Ione Amorim, economista do Idec. Ela indaga ainda qual será o período de permanência do nome do devedor. Na lista dos negativados, o registro pode ficar até cinco anos, caso o cliente não pague o débito. Porém, no cadastro positivo, o tempo de permanência das informações é de 15 anos. “Vamos supor que um cliente faz o cadastro positivo, deixe de pagar uma dívida, aí ele vai para o negativo. Mas essa informação de que ele deixou de pagar uma conta por um período ficará registrado por 5 ou 15 anos?”, pergunta Ione.
O Blog do Consumidor entrou em contato com o Serasa com os questionamentos das associações de consumidores. A empresa informou, via nota, que o cadastro positivo é gratuito para o consumidor e quem vai pagar para ter acesso à lista são as firmas que assinarem contrato para ter acesso aos dados e históricos positivos. Além disso, o Serasa informou que as informações negativas ficarão por cinco anos. E a adesão ao cadastro positivo não interfere no registro de dívidas em aberto. E mesmo que faça parte do positivo, ainda assim o consumidor continuará a ser informado normalmente toda vez que o seu nome for encaminhado para inclusão na lista de devedores.
Risco de inclusões indevidas
No início do mês, o STJ deu parcial provimento ao recurso do Serasa contra uma ação do Ministério Público Estadual do Mato Grosso do Sul. Embora o entendimento não seja vinculativo, o recurso serve para as associações e órgãos de defesa perceberem as posições do tribunal. Entre os itens do voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão, estava o fato de o Serasa não ser obrigado a ter um documento formal provando a dívida do consumidor. O relator destacou que a jurisprudência do STJ determina que aos bancos de dados e cadastros de inadimplentes cabe apenas a anotação das informações passadas pelos credores, não sendo obrigação do Serasa a confirmação dos dados fornecidos.
Porém, as associações temem que a ausência de documentos aumente as inclusões indevidas nos cadastros. “Quem faz contato com o cliente é o Serasa, por isso, ele tem que ter o documento, até por precaução da própria empresa. Para evitar erros e renegociar com os consumidores”, defende Maria Inês Dolci. “Se o nome do consumidor for pro Serara, é responsabilidade dele o erro, não somente da empresa que enviou os dados”, complementa Ione Amorim, do Idec.
A funcionária pública Ana Beatriz Goldstein, 47 anos, conhece bem as dores de cabeça da inclusão do nome indevidamente nos órgãos de proteção ao crédito. Em 2007, a TIM colocou o nome dela no SPC por uma conta de R$ 35, que ela já havia quitado. Em 2008, Ana Beatriz entrou na Justiça e conseguiu que o nome dela fosse retirado do cadastro negativo. Além disso, o juiz determinou o pagamento de uma indenização por danos morais. O caso estava aparentemente resolvido, quando no fim de 2012, Ana teve uma surpresa. Ao tentar o financiamento imobiliário recebeu a negativa do banco por conta do nome sujo. “Eu fiquei surpresa quando descobri que era ainda a cobrança indevida da TIM. Fiquei com muito medo de perder o empréstimo porque eu já tinha dado a entrada e poderia perder este dinheiro”, conta.
Depois de insistir com a TIM e na Justiça, Ana conseguiu que o nome fosse retirado do SPC. “Porém, a TIM ainda não pagou a dívida de danos morais que tem comigo. A empresa alega que não tem bens. Tive que ir no cartório protestar a dívida. Agora a situação se inverteu: é a TIM que está com o nome sujo”, comenta. Via nota, a TIM informou que “realizou o pagamento da condenação em maio de 2010. A empresa ressalta ainda que não foi intimada a realizar o pagamento de qualquer outro valor”.
Além da não exigibilidade de documentos pelo Serasa, o STJ reafirmou que as empresas de proteção ao crédito sempre devem notificar o devedor, com exceção das dívidas públicas – aquelas que já foram averbadas em cartório. “O devedor precisa ser comunicado que o nome dele pode ir para o SPC ou Serasa até para poder negociar”, defende Maria Inês. “O Código de Defesa do Consumidor determina que o consumidor deve ser avisado previamente em caso de negativação do nome”, complementa Ione Amorim. O STJ entendeu ainda que o Serasa não precisa excluir o nome da pessoa em que o débito está em juízo.
Para saber mais
O cadastro positivo é um banco de dados onde são registradas informações sobre o nível de adimplemento dos consumidores (pagamento de suas obrigações), para a formação de um histórico de crédito. A inscrição no cadastro positivo é opcional e se dá mediante autorização expressa do consumidor. O cadastro só poderá compartilhar informações referentes à análise de risco de crédito ao consumidor. O consumidor tem direito a acessar gratuitamente as informações do banco de dados e solicitar o cancelamento de suas autorizações a qualquer momento.
O que diz a lei
O cadastro positivo foi instituído pela lei nº 12.414. Ela foi aprovada em 2011, regulamentada em outubro de 2012 e entrou em vigor em janeiro deste ano. Desde o dia 1º deste mês, o cadastro passou a ser operacionalizado por diretrizes aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional – que determinam como as instituições financeiras prestarão as informações às empresas que operarão os bancos de dados.