A prática de pagar um consórcio para adquirir um bem não para de crescer no Brasil. A modalidade antes restrita a imóveis e veículos, agora pode ser utilizada para viagens, pagamentos de cursos, reforma, festas e até para tratamentos estéticos. Diante da diversidade desse tipo de carta de crédito, o consumidor deve ficar atento para não cair em nenhuma cilada. Como as regras são complicadas, nem sempre o cliente está realmente ciente do que está contratando e pode, inclusive, ser vítima da má-fé de vendedores.
Foi o que ocorreu com a copeira Maria Aparecida Ferreira de Jesus, 28 anos. A moradora de São Sebastião adquiriu um consórcio de R$ 120 mil com o banco PanAmericano no ano passado com o prazo final da cota para 2020. Na ocasião, a corretora identificada como Ana Paula informou a Maria Aparecida que ela receberia o dinheiro em três meses. Para isso, precisaria adiantar R$ 5 mil e acreditar no que ela dizia, não no contrato. A vendedora orientou a consumidora o que ela deveria falar para os atendentes do banco, caso eles ligassem confirmando os dados da cliente. Prometeu ainda que se o dinheiro não saísse em três meses, os R$ 5 mil seriam devolvidos.
Ansiosa para comprar a casa própria, Aparecida acabou tornando-se vítima de um golpe. Os recibos dos R$ 5 mil que ela recebeu são precários, feitos em Word e com um carimbo do cartório alegando a autenticidade da assinatura, não do documento. Desde outubro do ano passado, a copeira tenta localizar a vendedora, que não atende aos telefonemas. O Correio tentou entrar em contato com a corretora identificada como Ana Paula e, novamente, ela não atendeu. “Acreditei no que a vendedora dizia porque ela representava o PanAmericano, que é um banco conhecido e com credibilidade”, indigna-se Aparecida. Para pagar os R$ 5 mil, ela teve que pedir um empréstimo bancário. Com tantas parcelas, a copeira optou por abandonar o consórcio.
O Banco PanAmericano confirmou a aquisição do consórcio por Aparecida. Mas comunicou que não comercializa cotas de consórcio contempladas. “O relato em questão não condiz com os procedimentos da empresa, tampouco com as boas práticas de mercado”. A instituição financeira informou ainda que tomará as medidas necessárias junto ao representante que comercializou a cota para que esclareça a situação.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, o consumidor não pode acreditar em soluções milagrosas, nem nas promessas verbais de corretores. Ele deve sempre assegurar-se com contrato. “No caso dessa consumidora, ela foi vítima de estelionato. Nunca dê dinheiro para intermediários, seja no lance, na cota ou no consórcio. Trate direto com a instituição bancária”, orienta.
“Muitos consórcios informais se passam por oficiais. Sem autorização do Banco Central para funcionar, o consumidor fica desprotegido e pode ter um prejuízo”, sugere Paulo Roberto Rossi, presidente executivo da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac). Em caso de problemas, o consumidor pode recorrer ao Banco Central, Procons e até delegacias.
Regras complicadas:
Apesar do consórcio ter crescido no Brasil e somar 5,3 milhões de participantes, as regras do jogo são complexas e nem sempre ficam claras ao consumidor. Diante da falta de informação e da dificuldade de entendimento dos contratos, os clientes acreditam nas propostas dos corretores e alguns trabalham de má-fé. Os resultados são as queixas nos Procons e no Banco Central do Brasil. Somente nos primeiros quatro meses do ano, o Procon-DF recebeu 86 queixas contra consórcios imobiliários, automotivos e de motocicletas.
O consórcio é um sistema onde grupos de pessoas com interesses em um bem comum pagam cotas mensais por um determinado tempo como uma espécie de autofinanciamento. Essa modalidade é mais comum para imóveis e veículos. Quem administra esse dinheiro é uma instituição autorizada pelo BC para fazê-lo. Em certos períodos combinados em contrato, será feito o sorteio daquele que receberá o dinheiro.
Os integrantes do grupo ainda podem fazer lances. Quem dá o maior, pode conseguir antecipar o valor que receberia. Após a contemplação, via sorteio ou lance, o participante continua pagando a cota até o prazo final estabelecido no contrato.
Nas regras do consórcio, o participante deve pagar a taxa de administração. Ela pode custar até 20% do valor total pago. Essa porcentagem vem diluída nas prestações. Algumas empresas cobram ainda a taxa de adesão, que é uma questão polêmica pois não existe previsão legal de cobrança. “A taxa de adesão pode ser cobrada se for um adiantamento da taxa de administração”, afirma Paulo Rossi, presidente executivo da Abac.
Outra cobrança é o fundo de reserva, que pode variar de 2% a 5% do valor total do financiamento. Esse valor serve para cobrir eventuais inadimplências do grupo e também não é obrigatório. Depende de instituição para instituição. Caso o fundo não seja utilizado, ele deve ser devolvido aos integrantes do grupo de consórcio no fim do contrato. O seguro de vida também é facultativo e o consumidor deve optar pelo serviço. “O importante é que toda a composição da parcela esteja clara para o consumidor, cada item deve vir bem explicado no boleto”, orienta Rossi.
Reclamações no Banco Central:
No Banco Central as principais reclamações contra consórcios são relativas à liberação de crédito, devoluções, descumprimento de obrigações contratuais, falta de informação, ouvidoria e divulgação de demonstrativos.
Dicas para hora de contratar um consórcio:
1. Verifique na página eletrônica do Banco Central (BC) do Brasil se a instituição é cadastrada. Não é fácil encontrar a informação no site. Clique em Sistema Financeiro Nacional e em, seguida, em Consórcio, para conseguir a informação.
2. Caso não consiga a informação no BC, entre no site da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac) e consulte sobre a empresa desejada. Eles têm um Fale Conosco para dúvidas.
3. Prefira consórcios de bancos e de empresas maiores, para se precaver contra dores de cabeça como a falência da empresa.
4. Antes de contratar um consórcio, faça uma pesquisa das taxas. Verifique a porcentagem da taxa de participação e se a empresa cobra ou não fundo comum e seguro de vida. O fundo comum é uma taxa que varia de 2% a 5% para cobrir eventuais inadimplências.
5. Exija um contrato e entenda as cláusulas contratuais: como funciona o lance, a assembleia e o sorteio. Não esqueça de olhar se o contrato prevê venda de cota e possibilidade de mudança para uma carta de crédito mais barata em caso de dificuldades financeiras.
6. Xeque se o corretor é realmente credenciado a alguma instituição financeira.
7. Não acredite em promessas como antecipação do sorteio e não dê dinheiro direto ao corretor para ele agilizar algum trâmite. Negocie direto com a instituição financeira.
8. Guarde panfletos e propagandas, eles servirão de prova em um possível processo judicial.
*Fonte: Ibedec e Abac
Reclamações no DF:
>> Consórcios imobiliários
Principais reclamações: contrato, cobrança indevida, discordância quanto avarias e Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).
2011: 97 atendimentos
2012: 80 atendimentos
2012 (período 01/01 até 03/04/2012): 30 atendimentos
2013 (período 01/01 a 03/04/2013): 12 atendimentos
>> Consórcio de automóvel
Principais reclamações: contrato, cobrança indevida e SAC
2011: 351 atendimentos
2012: 293
2012 (01/01 até 03/04/2012): 81 atendimentos
2013: (01/01 até 03/04/2013): 60 atendimentos
>> Consórcios motocicletas
Principais reclamações: contrato, cobrança indevida e SAC
2011: 87 atendimentos
2012: 81 atendimentos
2012 (período 01/01 a 03/04/2013): 19 atendimentos
2013 (período 01/01 a 03/04/2013): 14 atendimentos
Numerária
5,3 milhões
Quantidade de participantes de consórcios no Brasil
R$ 12,5 bilhões
Volume de negócios envolvendo consórcios no Brasil
407 mil
Quantidade de cotas no Brasil
Participação do consórcio nas vendas por segmento no DF
Carros
7%
Motocicletas
17,4%
Caminhões
22,9%
*Fonte: Procon-DF e ABAC