Por Renata Nagashima* e Ester Cezar*
Você provavelmente já passou por esta situação: pagar um produto em dinheiro e receber do vendedor a informação de que não tem troco. Para solucionar o impasse, ele oferece algum outro produto, na maioria das vezes um doce, e, assim, compensar a diferença. E quem nunca entrou no ônibus com uma nota de R$ 50 e foi surpreendido pelo cobrador com a recusa do dinheiro? Mas você sabia que essas práticas podem ser consideradas abusivas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC)?
Em muitos casos, para evitar constrangimento, o consumidor acaba se submetendo à situação imposta pelo comerciante e aceita outros produtos como troco ou até deixa uma quantia, por menor que seja, no estabelecimento.
Professor da Universidade de Brasília e especialista em direito do consumidor, João Costa Neto aponta que o CDC não é explícito em relação ao troco, mas considera abusiva a prova da recusa injustificada da venda. “Não tem um artigo que prevê expressamente a obrigação de o vendedor ter troco, mas existem obrigações. Entre as quais, está a de vedação de enriquecimento sem causa. O entendimento é de que ele fala claramente que o fornecedor não pode se recusar a vender um produto ou a prestar um serviço se o consumidor estiver pronto e disposto a pagar”, explica.
Felipe Mendes, assessor jurídico do Procon-DF, aponta que o real é a moeda de curso forçado, logo, mesmo se o vendedor não aceitar outros métodos, ele é obrigado a receber o dinheiro. “Seja qual for o valor da nota que o cliente apresentar, de R$ 100 ou de R$ 5, o comerciante deve aceitar e fornecer o produto ou serviço.”
Mendes explica que, se o comerciante realmente não tiver troco, o bom senso prevalece: é importante que as duas partes entrem em acordo. “O comerciante pode oferecer vales ou créditos na loja. O consumidor não é obrigado a aceitar, mas, caso aceite, um acordo será feito com o vendedor.” Ele acrescenta que, em hipótese alguma, o fornecedor pode obrigar o consumidor a aceitar.
É comum no comércio, quando não se tem troco, o comerciante querer substituir o dinheiro por doces, ou então, arredondar o valor da compra para cima. Pelo Código, a prática é condenada e considerada irregular.
A empresária Helena Barbosa Soares, 42 anos, sempre ensinou para a filha Alice, 7, o valor do dinheiro e como economizar, mesmo com quantias pequenas. Ela conta que todos os dias a menina levava R$ 10 para a escola, mas gastava apenas R$ 7,45 com o mesmo lanche. “Ela guardava o troco. E, no fim do mês, comprava alguma coisa que queria com o que juntou.”
Segundo ela, essa foi a forma que encontrou para ensinar a filha o valor do dinheiro. No entanto, tudo mudou quando a criança passou a receber balas como troco do dono da lanchonete. “Ela disse que estava muito chateada porque só estava ganhando balas e não ia mais conseguir juntar dinheiro, porque o tio nunca tinha o troco. Logo percebi que algo estava errado.” Helena decidiu, então, procurar o dono do estabelecimento, que negou agir de má-fé com a criança. “Após conversar com outros pais, percebemos que mais pessoas estavam incomodadas com a situação.”
Após o ocorrido, a empresária afirmou que abriu uma reclamação no Procon contra o estabelecimento. “Se somar, no fim do mês, são R$ 63. E, ao ano, eles lucrariam cerca de R$ 765 em cima de crianças que não têm malícia nem firmeza para exigir pelo que é delas. Se falta troco, o problema não é do cliente. O dono é quem tem de dar um jeito nisso.”, argumentou.
Felipe Mendes alerta que a prática de retornar o “troco” como outro produto pode ser considerada venda casada, de acordo com o artigo 39, parágrafo 1º do CDC, ou seja, o ato de coagir o cliente a levar um produto em detrimento de outro. Além disso, a prática é proibida, de acordo com o artigo 884 do Código Civil, que aponta a ação como enriquecimento ilícito.
O assessor jurídico instrui o consumidor que passar pela situação a, primeiramente, tentar resolver de maneira amigável. Caso o vendedor não colabore, ele pode levar o caso aos órgãos de defesa do consumidor, que auxiliarão na negociação de devolução do troco.
Tem troco para R$ 50?
Para o professor da Faculdade de Direito da UnB João Costa Neto, o valor (R$ 20) estabelecido para obtenção de troco mínimo em transportes coletivos pode, sim, ser uma prática abusiva. “Se o motorista ou cobrador pedir que o passageiro desça do ônibus, ele pode entrar com uma ação contra a empresa. O consumidor poderá recorrer por perdas, sejam elas porque chegou atrasado, seja porque perdeu o dia de trabalho, além de danos morais por constrangimento.”
Neto acrescenta que, além de abrir uma ação judicial contra a empresa, o passageiro pode recorrer ao Procon. No entanto, isso não resolverá o problema individual do cidadão. “Abrir uma ação judicial é desgastante e muitas pessoas deixam passar porque acham que não vale a pena.”
Um estudante de 22 anos, que não quis se identificar, conta que passou por constrangimento ao ser expulso do transporte público ao entregar uma nota de R$ 50 e não terem troco para retornar. O passageiro foi obrigado a descer do ônibus e andar por cerca de 40 minutos até encontrar um estabelecimento que pudesse trocar a nota e, enfim, pegar outro ônibus. “O que mais me revolta é que isso acontece todos os dias! As pessoas não conhecem os seus direitos e se subordinam a esse tipo de atitude abusiva. Hoje, quando vejo alguém passando por isso, eu me ofereço a pagar a passagem e ainda explico os direitos que ele tem”, desabafa o brasiliense.
A Secretaria de Mobilidade do Distrito Federal (Semob) afirma que, apesar de a placa estar exposta nos ônibus, não há previsão legal que limite o troco para o usuário do sistema de transporte público no DF. Segundo a Semob, o Código Disciplinar Unificado (CDU) prevê como infração não providenciar o suprimento de moeda destinada a troco no início da jornada ou no seu percurso.
Em casos como o do estudante, a secretaria aponta que a empresa pode ser punida pela conduta do cobrador, que foi irregular, e por não possuir a quantia necessária em caixa para atender o passageiro. A orientação da pasta é que, em casos como esse, o usuário denuncie na ouvidoria do GDF, pelo 162, informando, além da data, a linha ou o número do ônibus e o horário do ocorrido para que a Semob possa adotar as medidas administrativas necessárias.
*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte