OS LIMITES E A ETERNA VIGILÂNCIA

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Passei quatro meses sem conseguir publicar nada, mas finalmente voltei a enxergar tudo e mais alguma coisa. Foi um período em que só acompanhei notícias pela TV, cada uma mais cabulosa do que a outra, diga-se de passagem. Mas duas me marcaram e é sobre elas que quero conversar com vocês.

A primeira é que, conforme reportagem do G1, a Polícia Civil concluiu que o estudante de medicina Carlos Eduardo Tavares de Aquino Cardoso atropelou intencionalmente, pelas costas, e matou a própria mãe, Eliana de Lima Tavares Cardoso, enquanto ela passeava de bicicleta elétrica. Ao tentar fugir do local do crime, ele bateu em outro carro e feriu cinco pessoas.

A segunda notícia que me marcou muito foi sobre o andamento, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 2858/22, de autoria do deputado Major Victor Hugo (PL-GO), para anistiar todos os que participaram ou apoiaram os atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, entre eles o ex-presidente, com licença da má palavra, Jair Bolsonaro.

Conforme matéria da CNN, o relator, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), considera que as prisões dos envolvidos “desrespeitaram princípios jurídicos basilares, como a presunção de inocência, a individualização das condutas e o direito ao contraditório”. Juro que não imaginei que essa proposta realmente pudesse prosperar, mas democracia também é isso.

No caso do rapaz que assassinou a própria mãe, a imprensa exibiu um vídeo em que ele, durante uma das frequentes brigas em que a ameaçou durante anos, grita “Morre logo, sua desgraçada! Morre logo, desgraçada!”. Carlos Eduardo não dormiu um filho maravilhoso e acordou “endemoniado”. Se não é um psicopata, que já nasce de má índole, ele foi se transformando gradativamente, talvez pelo uso de drogas, até se mostrar em todo o seu “esplendor” naquele dia fatídico.

Em geral, é assim que essas coisas acontecem. Mas, infelizmente, temos enorme dificuldade em estabelecer limites nas nossas relações, principalmente quando lidamos com nossos filhos. Há muito envolvido. Eliana morreu no local do crime, mas, na qualidade de psicóloga e mãe, posso afirmar que ela vinha morrendo há muitos anos.

Se ela o tivesse expulsado de casa e denunciado logo que começaram os ataques, tudo poderia ter sido diferente. Pelo amor de Deus, não estou dizendo que a mãe assassinada teve culpa no que aconteceu. Porque agir dessa forma, especialmente quando se trata de um filho, é extremamente difícil. Estou falando em estabelecimento de limites.

É preciso que os pais estejam realmente preparados para serem pais, o que não é o nosso caso ainda. Ninguém quer denunciar um filho, mesmo que as atitudes dele o exijam. Em situações assim, tudo o que queremos é que aquela fase horrível passe, que as relações familiares sejam apaziguadas. Denunciar um filho pode representar o rompimento definitivo do vínculo, manchar a nossa própria cria perante a sociedade para sempre. E não é para isso que nos desdobramos.

Mas, pode funcionar como um freio de arrumação antes que o pior aconteça. É como diagnosticar um câncer precocemente e já iniciar o tratamento, por mais amargo que o remédio seja. Se Eliana tivesse feito isso, teria se protegido, protegido o marido e a filha, e estaria viva, pronta a acolher de volta o filho caso ele se arrependesse.

Talvez hoje ele não estivesse em um presídio, respondendo por feminicídio, cinco lesões corporais culposas e por dirigir sob efeito de entorpecente, mas em liberdade, concluindo o curso de medicina, mesmo respondendo criminalmente por violência doméstica.

Ser boa mãe talvez seja a missão mais difícil que alguém possa abraçar. A começar porque isso inclui entender que estabelecer limites, dizer “não” na hora certa, é uma tremenda prova de amor. Mas ainda precisamos aprender muito sobre nós mesmos para conseguirmos fazer o que precisa ser feito quando precisa ser feito. Haja caminhada!

E, nessa toada, dá para acreditar que anistiar quem coloca em risco a Democracia brasileira, tão duramente conquistada, que tantas vidas custou, vai apaziguar o país? Porque essa é a ideia que vem sendo vendida.

Vamos raciocinar um pouquinho? Dá para acreditar que podemos simplesmente passar a mão na cabeça de quem quer colocar em prática um plano de poder, trazendo de volta os horrores implantados pelo golpe militar de 1964?

O Palácio do Planalto foi usado como QG do chamado gabinete do ódio, uma organização criminosa para atentar contra a Democracia e o Estado de Direito, formada por gente que discursava em praça pública enaltecendo a ditadura militar e torturadores como o Coronel do Exército Brilhante Ustra, levando ao delírio pessoas ignorantes que idolatram o presidente da República da época, o Voldemort brasileiro, aquele que não deve ser nomeado, um sujeito sem educação, sem cultura, racista, machista, misógino, homofóbico, vomitativo, como bem resumiria o jornalista Eduardo Bueno, o Peninha.

Se esses abusos iniciais tivessem sido devidamente tratados, garantido o devido processo legal, mas com rigor, talvez nem tivéssemos chegado a planos mirabolantes para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Demoraram a fazer o que deveria ter sido feito, não estabeleceram limites, não disseram “não” na hora certa e quase o Brasil perdeu tudo o que foi duramente conquistado.

Mas ainda há tempo de evitarmos o pior. Eu espero que as pessoas que nisso se envolveram por esperteza ou idiotice paguem suas penas e aprendam a lição. O Brasil não será apaziguado se jogarmos esse lixo pra debaixo do tapete com anistia, como se nada tivesse acontecido, mas se dissermos “não” aos interesses de alguns que colocam todos nós em risco.

A coisa só não foi pior porque, como dito e, em seguida, negado por Cezar Bittencourt, advogado de Mauro Cid, Bolsonaro não apenas sabia de tudo, ele “liderava” as ações. Mas não podemos contar sempre com a sorte de operações dessa natureza serem lideradas por um boçal.

Que isso sirva de lição e alerta para quem é responsável por acompanhar e adotar providências nesses casos, cortando o mal pela raiz. Porque, mesmo que todos sejam presos, enquanto formos um país democrático, haverá quem queira transformar o Brasil numa ditadura.

Recebi, da minha amiga Adriana Ziller, uma grande incentivadora e colaboradora deste blog, um vídeo do ICL Notícias em que o historiador Castro Rocha comenta o desfecho das anistias realizadas por Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros após tentativas de golpe. Está imperdível e, para assistir, basta clicar em QUANDO SE ANISTIA UM GOLPISTA, ELE VOLTA MAIS FORTE E SEM LIMITES.

Dizem que o diabo não é perigoso por ser o diabo, mas por ele ser muito sabido. E que é nos detalhes que ele se esconde. Assim, vale a máxima “O preço da liberdade é, sim, a eterna vigilância!”.

MARACI SANT'ANA

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