O RIO GRANDE DO SUL, AS CIDADES-ESPONJA E AS CRISES CONJUGAIS

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O que está acontecendo no Rio Grande do Sul não era inimaginável. E, mesmo não querendo parecer uma profetisa do apocalipse, consigo enxergar que essa, lamentavelmente, é apenas a maior calamidade no estado até hoje. Outras piores estão sendo preparadas, pela própria humanidade, para se abaterem sobre os gaúchos, sobre outros brasileiros, sobre outros continentes, sobre o planeta.

A tragédia que se desenrola vem sendo anunciada e desprezada desde o milênio passado. Cientistas, ambientalistas, organizações não governamentais se esforçam, sem o devido sucesso, para mostrar ao mundo que as mudanças climáticas não são obras do acaso, da ação de extraterrestres ou, como alguns governantes brasileiros sem noção adoram dizer, uma mentira inventada pelos comunistas para assustar as pessoas e dominar o mundo.

De muito pouco mesmo têm adiantado os estudos que demonstram que o desmatamento, o mau uso dos recursos ambientais, a maneira como nós tratamos a natureza, são as causas para isso que os desafortunados estão vivendo e os ainda não desafortunados acompanham pela internet e pela TV como se estivessem assistindo a um filme que chegará ao fim quando a vida dos gaúchos “voltar ao normal”, o que não é verdade. Então, quero propor uma reflexão, fazendo uma analogia com algo mais próximo das nossas preocupações no dia a dia – o casamento.

Os relacionamentos amorosos em geral começam cheios de esperança e, depois de um tempo, os envolvidos decidem morar juntos, dispostos a batalhar para prosperar e dar aos filhos o melhor. Como diz minha amiga Flavinha, “tudo arrumadinho dentro dos vidrinhos”. Só que, quando os problemas começam a surgir, os casais se assustam. Porque não somos preparados para lidar com complicações, contrariedades, ambiguidades. Crescemos sonhando com o que é bom como se isso afastasse as dificuldades.

Algumas pessoas entram em pânico e varrem as crises pra debaixo do tapete, insistindo em levar a relação adiante como se nada estivesse acontecendo. Outras, obcecadas por resolver o que está errado o quanto antes, transformam a vida a dois numa eterna DR, ou melhor, num bate-boca sem fim que só complica tudo. Até que, um dia, a casa cai com alguém gritando não suportar mais e batendo a porta na saída, tal qual uma inundação que devasta o que está pelo caminho e traz à tona o lixo escondido e as doenças que poderão levar, ao sofrimento e à morte, quem escapou da destruição imediata.

É nessa hora que surgem os parentes e amigos que, na tentativa de ajudar, dão os seus palpites. A maioria sugere ou que a pessoa dê tempo ao tempo e espere que o outro se arrependa e volte, ou que vire a página e recomece a vida, de preferência partindo para um novo amor. A opção de se refletir sobre o que houve não costuma ser cogitada. E, quando algo nesse sentido ocorre, a tendência é que se procure adivinhar o que aconteceu com quem rompeu o vínculo e se foi.

Investimos tempo e energia listando os erros e até tentando fazer diagnósticos sobre a saúde mental do outro, sem pensar na nossa responsabilidade no fracasso de algo que sempre se mostrou promissor. Aliás, não refletimos nem mesmo sobre se a relação que chegou ao fim era realmente promissora. Muitas vezes, as promessas só existem na nossa cabeça, são vãs como a pirita, o ouro dos tolos.

Assim, se o outro volta atrás e se reaproxima, tomamos a nada sábia decisão de passar uma borracha no passado. Tentamos recomeçar fingindo que os problemas não aconteceram, acreditando ser isso é o bastante. E, sem perceber, damos o primeiro passo para a próxima crise, que tem tudo para ser ainda pior, que pode se apresentar como uma tragédia de grandes proporções.

Penso que algo análogo está acontecendo com o Rio Grande do Sul. Como os relacionamentos, os estados começam com vilarejos que se unem formando cidades que se juntam para aumentar as chances de desenvolvimento, de felicidade para todos, inclusive as futuras gerações. Só que esses agrupamentos também passam por problemas, alguns bem básicos, que precisam ser resolvidos. Mas, como acontece nos casamentos, as comunidades crescem sonhando com o que é bom como se isso afastasse as dificuldades, como se elas não fossem parte da vida.

Como o ser humano lida muitíssimo mal com o meio ambiente, a generosa natureza dá o primeiro, o segundo, o milionésimo sinal de que as coisas não vão bem. Mas não damos a real importância. Apagamos um incêndio aqui, outro ali, fazemos obras sem observância do impacto ambiental, priorizamos o tempo presente, e, quando a casa cai, ficamos estarrecidos, como se tivéssemos sido pegos de surpresa. Aí nos unimos para suportar a dor de perder bens materiais e, o que é pior, nossos entes queridos.

Nesse caso também a opção de se refletir sobre o que houve nem costuma ser cogitada. Todos se voltam para a reconstrução, jogando as causas do desastre pra debaixo do tapete e remendando uma coisa aqui, outra ali, usando os mesmos materiais e tecnologias que não impediram a tragédia. Um sentimento de urgência em deixar aquilo pra trás toma conta de todos. Sei que as pessoas precisam retomar suas vidas. Mas é importante que os governantes reflitam para que o estado seja realmente restaurado, não apenas maquiado.

Recentemente li sobre cidades-esponja, capazes de lidar com muita água graças a medidas como criação de áreas verdes para escoamento, telhados verdes e jardins de chuva; retirada do concreto das margens dos rios, com implementação de mata ciliar; substituição de pavimentos de concreto por zonas úmidas; e utilização de asfalto permeável, que permitem que a água da chuva seja absorvida pela terra e favoreça a própria cidade.

Xangai, Nova York, Berlim e Copenhague, por exemplo, já aderiram a elementos que lhes deram características de esponja. A China é um dos países que mais investem em criar cidades-esponja, com 16 cidades adaptadas dessa forma. Para o criador do conceito, o arquiteto chinês Kongjian Yu, medidas como construção de barragens estão fadadas ao fracasso. A resposta está em parar de “lutar contra a água” e investir em soluções duradouras e baseadas na natureza.

Coisas como o combate ao desmatamento, a modernização dos sistemas de drenagem, o asfaltamento permeável, a Educação Ambiental, precisam ser levadas a sério. Porque a empatia e a solidariedade de brasileiros e estrangeiros são dignas de nota, assim como a força do povo gaúcho, que sofre sem se deixar abater. Mas isso pouco adianta se não refletirmos sobre o que está indo mal e não adotarmos as providências devidas.

Da mesma forma, num casamento em crise, o melhor a se fazer é dar um tempo para se digerir o que houve, para um distanciamento emocional que permita uma reflexão sobre a relação como um todo. Sei que isso não é fácil, mas é absolutamente indispensável. Se não conseguirmos sozinhos, devemos buscar ajuda profissional para estarmos preparados para uma reconciliação com chances concretas de dar certo ou para recomeçarmos sozinhos, livres de traumas, prontos até para um novo amor.

Nenhum relacionamento a dois está livre de crises. Da mesma forma, as comunidades passam por muitas dificuldades. Mas os problemas não têm o poder de destruir uniões, alianças, nem de casais nem de grupos. O que pode desgastar e até mesmo jogar por terra tudo o que de bom foi conquistado é a incapacidade dos envolvidos em encarar essas situações e com elas lidar de forma madura, responsável, inteligente e principalmente honesta.

O que está acontecendo com o Rio Grande do Sul não está trazendo apenas dor e sofrimento, está trazendo uma enorme oportunidade a quem tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir. Como disse Jean Paul Sartre, “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.

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MARACI SANT'ANA

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