ENTRE DOIS AMORES – UMA ESCOLHA, UMA RENÚNCIA
Dra. Maraci, bom dia! Eu ainda era um adolescente quando conheci uma garota que namorei por quase cinco anos. Foi a época mais feliz da minha vida. Nos separamos porque o pai dela, que era diplomata, foi transferido para o exterior no início da década de 70. Jamais a esqueci e fiquei sabendo que ela foi praticamente obrigada a se casar com outro diplomata e morar na Europa. Sofri muito, mas também me casei e tive trigêmeas. Nunca esqueci a garota dos meus sonhos. Quarenta anos depois, quando soube que ela havia voltado e estava viúva, sem filhos, sozinha, dei um jeito de encontrá-la e quase morri do coração quando ela me disse que também não havia me esquecido. Todo aquele sentimento voltou como se o tempo não tivesse passado para nós. O meu casamento foi feliz, minha mulher sempre foi uma companheirona. Só que depois que reencontrei meu grande amor, não consigo ser o mesmo de antes. Quero construir com minha antiga namorada a vida que sonhamos quando jovens, só que não consigo romper meu casamento, porque gosto demais da minha mulher e não quero que ela sofra, porque ela também me ama e dedicou a vida inteira a mim e às meninas, que estão formadas e casadas. Diante dessa enorme confusão, tenho pensado se é possível estar existindo em mim a poliafetividade. Confesso que sinto fortemente a necessidade de estar presente na vida dessas duas mulheres. Elas são igualmente maravilhosas e importantes para mim. As duas sabem o quanto estou aflito com tudo isso e esperam que eu me resolva. Minha mulher não me pressiona, mas sofre muito com a possibilidade de me perder. E minha antiga namorada está desesperançada e prestes a desistir de mim. Não me vejo trazendo a dor do rompimento à minha mulher, mas também não me imagino abrindo mão do meu grande amor. Preciso resolver logo isso. O sofrimento de nós três está grande demais e não somos mais crianças. Tenho medo de que alguém termine tendo um troço. Você poderia me dar uma luz? Muito obrigado.
Prezado leitor,
muita gente deve estar pensando que você é um homem de sorte, amado por duas mulheres maravilhosas que aguardam sua decisão, sonhando ser a escolhida. Mas sei que sua situação não é fácil, porque uma dessas mulheres representa décadas de uma vida a dois, de parceria, de cumplicidade, de dedicação, uma família formada e encaminhada. E a outra simboliza o amor romântico, a paixão da juventude não esquecida e ainda correspondida, a possibilidade de realização de antigos desejos graças a uma nova chance dada pela vida.
Você diz amar as duas, mas creio que só poderíamos falar em poliafetividade se elas se conhecessem e também se gostassem. Se fosse o caso de poliafeto, ou poliamor, vocês poderiam viver juntos e até oficializar uma união a três. A internet traz a notícia de relações desse tipo formalizadas no Brasil via escritura pública. Só que o seu caso é diferente, porque escolher uma significa renunciar à outra.
Não é difícil entender que você ame as duas, mas percebo algo de diferente, talvez não na intensidade, mas no tipo de amor que o liga a cada uma. Porque você não disse que está dividido entre o que tem com sua esposa e o que pode vir a ter com sua antiga namorada, disse que quer construir, com a segunda, a vida que sonharam um dia, mas não consegue romper seu casamento por não querer fazer sua esposa sofrer. Reparou nisso?
Há uma frase, cuja autoria desconheço, de que gosto muito, que é: Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer, mas acha que deveria querer outra coisa. Será que não é isso o que está acontecendo – você quer construir uma vida com essa outra mulher, mas acha que deveria querer se manter casado com sua esposa? Se isso for verdade, o que o faz acreditar que deve querer se manter casado? Senso de dever? Pena? Gratidão? Medo de não conseguir lidar com a culpa? Preocupação com o que as outras pessoas, como suas filhas, demais familiares, amigos, vizinhos, vão pensar disso tudo? Medo de sair da zona de conforto pra encarar uma nova vida, com outra mulher, de trocar o certo pelo duvidoso?
Você disse que seu casamento foi feliz, que sua esposa sempre foi uma grande companheira, mas que, depois que reencontrou seu grande amor, não consegue ser o mesmo. Como imagina que vai ser sua vida com sua esposa, caso desista da sua antiga namorada? Acredita que conseguirão ser felizes como antes? E como imagina que vai ser sua vida com sua antiga namorada, caso desista da sua esposa? Acredita que poderão ser finalmente felizes?
Já parou pra pensar se uma delas é capaz de completá-lo de tal forma que você não venha a sentir falta da outra? E não estou falando em nunca mais lembrar da outra, porque, com cada uma, você construiu uma história muito forte e bonita. Estou perguntando se acredita que poderá estar inteiro só com uma, sem sentir que lhe falta um pedaço. Qual delas seria?
Você também diz não querer fazer sua esposa sofrer, mas não vejo jeito de essa situação se resolver sem que alguém seja magoado. Mesmo porque, pelo seu relato, os três já estão sofrendo. Você, por não conseguir se posicionar e saber que terá de romper com uma; sua esposa por saber que décadas de união feliz podem chegar ao fim a qualquer momento; sua antiga namorada por temer que, mais uma vez, os planos de uma vida com você não venham a se concretizar.
Uma será preterida e talvez nunca se recupere totalmente, ou talvez, passado o período de luto, surpreenda dando a volta por cima. Sua esposa pode iniciar um projeto que tenha sido engavetado quando ela decidiu que se dedicaria a você e às trigêmeas. E sua namorada da juventude, que viveu décadas longe, pode encontrar apoio no que construiu ao longo desses anos e voltar a tocar em frente. Mas, de qualquer forma, por mais que você as ame, elas não são responsabilidade sua. Porque são duas mulheres adultas que, se ainda não sabem se cuidar sozinhas, precisam aprender com urgência.
Calculo que você tenha entre 60 e 70 anos. Está numa fase interessante da vida, com as filhas criadas e encaminhadas, talvez aposentado. Não é um garoto, mas provavelmente tem muito chão pela frente. Ao lado de qual dessas duas mulheres você se imagina curtindo um bom vinho, saindo pra dançar, batendo longos papos, viajando, vendo TV abraçadinhos, fazendo amor, envelhecendo? Essas considerações são muito importantes para uma tomada de decisão.
Mas também não podemos perder de vista outras opções como: você não escolher nenhuma e ficar sozinho; você pedir um tempo às duas e se afastar pra pensar melhor, podendo até buscar a ajuda de um psicólogo ou conselheiro filosófico; você propor a elas uma espécie de compartilhamento, com cada uma numa casa e você se dividindo entre as duas – mas só se você tiver a certeza de que, ao fazer essa proposta, não estará pondo tudo a perder; você continuar tocando esse barco, bem devagar, esperando que uma ou as duas tomem as rédeas dessa confusão e decidam deixá-lo. Mas, se quiser resolver essa questão, ouça a voz do seu coração. Porque nós nunca erramos quando ouvimos a voz do nosso coração.
Se você decidir se separar da sua esposa, deve, em nome da vida que tiveram e da família que construíram, trabalhar para transformar os laços que os unem e estabelecer com ela uma relação de amizade verdadeira. Assim, poderá continuar participando da vida dela. Só precisa ter cuidado para não exagerar, nem gerar falsas expectativas quanto a uma reconciliação. Nada de ajudá-la nas compras de supermercado, por exemplo, ou levá-la pra jantar no aniversário dela. Trate-a como ex-esposa, mas deixando claro que estará pronto para o que ela precisar numa necessidade real, num problema sério. Também é importante decidir, o quanto antes, questões práticas como divisão de bens e pensão alimentícia. Mas caso se decida por ela, o que acha de uma cerimônia para renovar os votos de casamento, pra ajudar a virar essa página?
O mesmo pode ser tentado com essa mulher do passado, embora eu ache muito difícil, pela carga emocional que existe entre vocês, relacionada a sonhos não concretizados, que consigam ser apenas amigos. Como disse Carlos Drummond de Andrade, também temos saudade do que não existiu, e dói bastante. Creio que o melhor é que não se encontrem mais. Nesse caso, nada de cerimônia de adeus ou transa de despedida! Talvez o melhor para os dois seja você escrever a ela uma carta de amor abrindo o seu coração e dizendo o que decidiu. Diga-lhe o quanto a ama, o quanto ela sempre foi, é e será importante, mas que você pensou muito e resolveu seguir com sua esposa.
Mas, haja o que houver, seja o mais sincero, claro, objetivo que conseguir, pra não perder a admiração, o respeito, o amor dessas mulheres, para ajudá-las a seguir em frente, com ou sem você, livres de fantasmas do passado ou de falsas esperanças. E, se puder, conte-nos o que resolveu fazer.
Obrigada por sua participação! Boa sorte!
*Os temas das consultas, assim como minhas observações, poderão ser comentados pelos leitores, que deverão ter em mente que as pessoas não estarão em discussão e que críticas a quem encaminha consulta são inaceitáveis. O Blog é para discutirmos ideias, não pessoas, sempre de forma absolutamente respeitosa.
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