Oi, pessoal! O texto abaixo foi escrito por alguém que admiro muito, meu irmão, Mario Sant’Ana, e, como dito por ele mesmo, é uma reflexão sobre a perda de soberania em territórios dominados por facções, a responsabilidade das autoridades e da sociedade diante desse fenômeno.
Aguardo comentários. Esse assunto não é apenas de quem mora no Rio de Janeiro.
Meus quinze primeiros anos de vida transcorreram na Penha, bairro carioca que, mais uma vez, ganhou destaque nacional em razão de eventos traumáticos, com muitas mortes — 121, segundo a última atualização. Dói reconhecer nas imagens que circulam nas notícias lugares que remetem à minha história. A Praça São Lucas, onde foram enfileirados 60 cadáveres, fica a 10 minutos a pé — ou dois de bicicleta — de onde eu morava. Passava ali perto com frequência, a caminho do Clube Ordem e Progresso (o campo do Ordi), no Morro do Cruzeiro, para jogar futebol ou assistir aos outros jogarem.
Infelizmente, o problema não é só daquele bairro nem só do Rio de Janeiro. Segundo um estudo publicado pela Cambridge University Press, 24% da população brasileira vive em áreas sob “governança criminal”, expressão usada para designar o controle social e econômico exercido por organizações criminosas sobre determinados territórios. Eufemismos à parte, isso equivale à população da Colômbia (cerca de 50 milhões de habitantes) e supera a de países como Espanha, Canadá, Argentina e Polônia. É mais gente do que a soma dos habitantes de 58 países.
São brasileiros primariamente regidos não pelas leis brasileiras, mas por regras impostas pelos dominadores das localidades em que vivem, como se habitassem outro país. São populações que vivem no território brasileiro, mas, na prática, alheias ao Estado Democrático instituído pela Constituição de 1988.
É necessário discutir as causas profundas dessa situação e, com sinceridade, nos perguntarmos: “Como chegamos a este ponto?” Entretanto, os fatos impõem um cenário que ultrapassa as questões típicas de segurança pública e revelam a existência de enclaves ilegais — territórios onde a lei do crime substitui a da República, desafiando a soberania nacional.
A restauração territorial dessas áreas dominadas por facções criminosas exige que as autoridades cumpram plenamente as responsabilidades para as quais foram constituídas, atuando de forma colaborativa, nos limites da lei e das regras de engajamento, que definem as circunstâncias e regulam o uso legítimo da força.
O domínio ilegal de frações do território nacional deve ser revertido pelas instituições competentes. Os que atentam contra a soberania política e a ordem jurídica nacional precisam responder legalmente pelos seus atos. A preservação da ordem legítima e o respeito ao Estado de Direito são condições basilares para a garantia dos direitos humanos.
Paralelamente, nas regiões ainda não totalmente comprometidas, as lideranças públicas e da sociedade civil, especialmente no nível municipal, precisam, enquanto é tempo, conjugar esforços para impedir que dinâmicas semelhantes às vividas no Rio de Janeiro se disseminem por outras regiões. É no seio familiar, nas escolas, nas igrejas, nas empresas, nas organizações da sociedade civil e na vida comunitária que o tecido social é formado e curado.
Se acendermos a luz do engajamento cidadão para juntos construirmos as bases de um futuro promissor, as trevas da violência, da pobreza, da negligência e do desalento não prevalecerão.

