AMOR? NEM SEMPRE (consultas de leitores)

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É impressionante a quantidade de mensagens que recebo de homens e mulheres desesperados porque perderam ou temem perder “seu grande amor”. São pessoas que relatam a sensação de morte iminente só de pensar que podem passar o resto de suas vidas longe do ser “amado”.  São pessoas que estão dispostas a tudo para garantir que isso não aconteça, inclusive matar e morrer.

Ninguém quer perder nada, muito menos um grande amor. Mas a maioria delas relata relacionamentos no mínimo assustadores, em que sofrem abusos de todo tipo. Muitas dessas relações “amorosas” nem deveriam ter passado do primeiro mês, embora já durem décadas.

Por isso resolvi postar o texto abaixo, que escrevi em 2007. Ele é uma orientação a todos que estão passando por essa dor e me pedem ajuda.

AMOR? NEM SEMPRE

Na semana passada, eu conversava com uma paciente que, seguindo minha orientação, procurou um psiquiatra, recebendo dele um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo – o famoso TOC. Ao me relatar a consulta, ela se mostrou um pouco preocupada com esse resultado e com a medicação prescrita. Mas sua maior inquietação era quanto a contar ao ex-marido sobre o tratamento, na esperança de que ele, sabendo que ela buscou ajuda, aceitasse voltar pra casa, embora o casamento tenha sido péssimo.

Lembro de, olhando pra ela, ter pensado “Quanto de amor existe nesse desejo de reconciliação? Quanto disso sobreviverá ao tratamento medicamentoso e à psicoterapia?”. Porque, muitas vezes, o “amor” sentido não passa do resultado de leituras distorcidas feitas por um cérebro quimicamente desequilibrado. Já testemunhei paixões avassaladoras desaparecerem com trinta dias de antidepressivo. E há uma explicação para isso.

Peguemos como exemplo o TOC. Classificado como transtorno de ansiedade, pode se manifestar por meio de comportamentos como lavar as mãos com frequência; verificar repetidas vezes se a porta está trancada; arrumar o armário buscando uma organização excessivamente rigorosa; não usar roupas de determinada cor; não tocar em determinados objetos. Esses comportamentos, apesar de absurdos, são inevitáveis porque sustentados por pensamentos obsessivos, que invadem a mente de forma repetitiva e persistente, que controlam a pessoa.

Assim, lavar as mãos a todo instante pode ser suportado pela ideia fixa de que o mundo é cheio de micróbios que precisam ser evitados. Da mesma forma, não usar roupas pretas pode se apoiar na superstição de que quem usa preto ficará viúvo. E esses pensamentos causam ansiedade, medo, aflição, um desconforto que só desaparece com o comportamento compulsivo de lavar as mãos, no caso do primeiro exemplo, ou com a evitação da roupa preta, no caso do segundo.

Nos relacionamentos de “amor”, isso também pode ocorrer. As compulsões para telefonar, mandar cartas, perseguir o ser “amado”, insistir numa relação que é ruim ou não mais possível podem ser sustentadas por pensamentos como: “Sem ele, não vou conseguir viver”; “Se ela me deixar, nunca mais vou me interessar por outra mulher”. Várias vezes presenciei pessoas desesperadas com o fim de um relacionamento ou com a possibilidade de isso vir a acontecer, que relataram dor intensa no peito, sufocamento, sensação de morte iminente, tristeza sem fim.

O mesmo pode acontecer com quem sofre de depressão. O paciente se queixa de um “vazio interior”, que ele tenta preencher de qualquer jeito. O relacionamento amoroso é comumente usado para isso. E, se ele acaba, fica a sensação de um buraco maior do que o que havia antes da relação ter início. A dor costuma ser a mais cruel já experimentada até então. Daí surge o desespero pela reconciliação, independentemente da qualidade da convivência que chegou ao fim.

Quem sofre de um transtorno como esses tem uma visão distorcida da vida e de si mesmo. Mas, com os remédios adequados e a psicoterapia, uma vez restabelecido o equilíbrio químico do cérebro e o bom senso, os pensamentos obsessivos somem, deixando de existir a sustentação para os comportamentos compulsivos ou as evitações. Resultado semelhante ocorre com a sensação de vazio e a tristeza desesperadora da depressão, que desaparecem.

Então, se restar um sentimento terno ou ardente que englobe desejar o bem do outro e ao mesmo tempo uma atração física, pode-se dizer que há amor. Mas se, com o tratamento, aquele sentimento deixar de existir, ele não era amor. Porque amor nada tem a ver com dor.

Publicado no Tribuna do Brasil de 30/3/2007, Caderno TBPrograma, Coluna Psicoproseando…com Maraci

MARACI SANT'ANA

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