Cosette Castro
Brasília – Está semana abri espaço na agenda e fui a uma sessão de cinema às 16h30 em Brasília. Com direito a água e pipoca.
Escolhi um filme iraniano, “Meu Bolo Favorito“. O filme tem um dos trailers mais convidativos sobre relações afetivas dos últimos tempos. Divertido, alegre e com um bolo lindo. Nada sugere o que virá.
Filmes com preparação de alimentos, doces e salgados para si ou para outra(s) pessoa(s), tendem a ser amorosos. Compartilhar a mesa e os alimentos é uma forma de comunhão. De encontro, de prazer e também é uma oportunidade de criar ou reforçar laços afetivos.
Ele começa com um encontro de amigas em torno de uma mesa. Todas com 60 anos ou mais. Ali, o alimento representa mais do que a sobrevivência do corpo ou o encontro social.
Representa também o alimento de almas que compartilham o desejo de estar juntas. A cura da alma, aliás, é um ponto importante para o processo de cura em Psicanálise. Possibilita desvelar o que sentimos, em geral sentimentos e emoções escondidos sob o véu do inconsciente.
Logo no começo do filme, as amigas incentivam a personagem principal, viúva há 30 anos, a buscar uma companhia afetiva. Algo similar ao que acontece no lado ocidental do mundo, mas com diferenças marcantes em termos de cultura e costumes. E de polícia moral/religiosa algo que não acontece no Brasil, um país laico.
O filme é dirigido por Maryam Moqadam e Behtash Sanaeeha e chegou às telas no final de 2024. Tem como personagem principal Mahin (Lili Farhadpour), de 70 anos, cuja filha foi morar com a família na Europa.
Mahin mora sozinha em Teerã e é observada de perto por vizinhos que apoiam o Irã pós-revolução. Seus movimentos são observados. Há uma ameaça constante sobre moral e costumes baseados na religião.
Esse clima de opressão que Mahin se nega a aceitar, também está presente nas ruas do Irã.
Nos parques de Teerã a polícia religiosa faz uma caça diária em nome da “moral e dos costumes”. Ela prende jovens por motivos que no Brasil consideraríamos banais. Entre eles andar de mãos dadas com namorado ou por não tapar o cabelo “adequadamente” sob o véu. A repressão remete ao assassinato de uma jovem (2022) pela polícia religiosa. (Saiba mais)
Mas o tema da repressão sobre o vestuário e coerção dos vizinhos é só um ponto do filme, embora importante porque revela os desafios diários impostos às mulheres.
A história trata sobre envelhecimento, solidão e sobre o direito a reconstruir a vida afetiva, independente da idade. E principalmente sobre a ousadia de Mahin ao sair em busca da felicidade.
Embora o Brasil seja um país laico, ainda há muito preconceito sobre o direito de mães e avós voltarem a amar e (tentar) ser felizes. Mesmo que tenham sido educadas para amar, encontrar um “príncipe” (que, às vezes, vira sapo) e ser felizes “para sempre”. Como se “para sempre” fosse possível, pois a vida é intercalada de bons momentos com dores, derrotas e lutos.
Após ler a sinopse ou assistir o trailer do filme “Meu Bolo Favorito” muita gente espera um final feliz. Mesmo que os finais felizes só tenham começado a acontecer na literatura no século 19.
Para quem vive no século 21 parece que o amor romântico sempre existiu. Mera ilusão. Basta ler os clássicos da literatura universal para descobrir que era algo impossível.
Muitas pessoas esperam o mesmo final feliz em séries, webséries e novelas, apesar de todos os percalços durante o desenrolar da história. É quase como um prêmio. Pode não ocorrer na vida real, mas em algum lugar, ainda que na ficção, alguém alcança “a felicidade”. Como se ela dependesse de outra pessoa e não de cada uma de nós.
“Meu Bolo Favorito” mostra o encontro corajoso, doce e amoroso de Mahin e Faramarz (Esmaeel Mehrabi). E, principalmente mostra que o encontro amoroso e a felicidade que advém dele, pode ser intensa e possível, ainda que não dure toda vida.
Trata-se de um filme impactante. Seja pela alegria, pela felicidade que emana e pela rebeldia amorosa de pessoas idosas. Seja pelo impacto da repressão religiosa mais forte após 2022. Ou pela vida mesma, com seus percalços, desafios e reviravoltas. Ainda assim, vale a pena ir ao cinema.
PS: O filme “A Semente do Fruto Sagrado“, de Mohammad Rasoulof, que trata do tema da violência religiosa no Irã, concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional, ao lado do brasileiro “Ainda Estou Aqui”.
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