O Urbanismo Sustentável e a Sociedade do Cuidado

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Cosette Castro e José Leme Galvão Jr.

Brasília – Temos escrito que no Brasil vivemos em uma Sociedade da Violência, desigual e insegura para a maioria da população.

Essa violência atinge mais do que corpos. Ela se expande para os tipos de cidades que vivemos. A maioria dos gestores não leva em conta a inclusão dos diferentes grupos sociais nem suas necessidades ao longo da vida. Tampouco levam em conta a memória e a preservação cultural e natural.

Nesta edição, convidamos o arquiteto aposentado do  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), José Leme Galvão Jr, mais conhecido como Soneca, para refletir sobre a Sociedade do Cuidado e  sua relação com o urbanismo sustentável .

José Leme Galvão Jr. – “Tenho refletido sobre a expressão Sociedade do Cuidado nesses tempos “bicudos”, mote antigo que expressa a parte difícil da vida social.

Associo cuidar a preservar e tenho por certo que preservar é não desperdiçar nem fazer dano. Se as sociedades humanas incorporassem mais efetivamente esse critério seria tudo menos complicado.

Procuramos, naturalmente, a longevidade. Se o ambiente físico e social que nos envolve não for minimamente acessível, saudável, acolhedor – e não tem sido para a maioria da população brasileira – ficam severamente reduzidas nossas possibilidades de viver mais e bem.

Aprendemos que as sociedades se agrupam desde os conjuntos maiores até os núcleos familiares, entretanto é importante saber que cada um de nós já é uma sociedade e precisamos também ser acessíveis, saudáveis e acolhedores.

Parto do princípio que o corpo é o nosso primeiro território.  Somos nosso próprio patrimônio cultural a ser preservado, em nossa dinâmica de permanente conservação e transformação. Somos especialistas em nós e do nosso ambiente social, nosso primeiro lugar de coabitação e cuidados permanentes.

Se preservar é não desperdiçar, sejamos os primeiros a cuidar, sendo rigorosos mas sensitivos. Pretender cuidar já é difícil, mais ainda é a realidade do dia-a-dia em uma sociedade tão desigual.

Ampliando mais, podemos afirmar que os patrimônios Cultural e Natural, são referenciais do Direito à Memória, pois nos asseguram uma vida social plena de significados e organizações que nos faz um povo nacional. Os princípios do cuidado transitam desde os indivíduos até as comunidades, onde o Estado é (ou deveria ser)co-responsável pelo cuidado.

E aqui aproveito para tratar do Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB). Temos o direito à preservação da memória cultural através da máxima conservação de todos os espaços de vivência em nosso “quadradinho”, em particular os do CUB.

Uma Sociedade do Cuidado não pode prescindir de cuidar do seu ambiente – natural e cultural.

Brasília é uma cidade-parque, construída sobre o cerrado e sob um magnífico céu azul.

O Plano Piloto e muitas outras áreas urbanas do Distrito Federal contém mais áreas verdes ou livres que quaisquer outras cidades. Essa qualidade deveria ser preservada e servir de modelo para a vida urbana vindoura. Única, e isso é de se lamentar, pois indica serem pouco aproveitadas suas lições.

Tenho sido um crítico incisivo do suposto Plano de Preservação do CUB, entre muitas razões porque resultou numa norma perversa para a gestão urbana. Ao invés de dispor sobre o que se deve ou não preservar, trata quase exclusivamente do que se pode ou não construir.

É preciso mover investimentos e governos em outra direção e parar o insano desenvolvimento de relações econômicas de alto custo e parcos benefícios sociais.

Me impressiona o desprezo dos defensores do crescimento irresponsável, quando deveriam defender o futuro sustentável por meio da defesa intransigente do patrimônio público, natural e cultural. Com frequência dispõe-se de áreas verdes como reles “vazio urbano” sem garantir a preservação, obrigação institucional, moral e profissional.

Por isso defendo – e não só para Brasília – um urbanismo baseado em percentuais e taxas de preservação conforme os princípios de proteção e conservação do patrimônio cultural e do ambiente global.

É possível praticar urbanismos sustentáveis e não os subterfúgios interesseiros que corrompem a cidade com imposições artificiosas como estádios, pontes, trevos e novos bairros absurdos, que apagam as reais e consideráveis possibilidades de intervenções de qualidade.

Necessitamos de um espaço urbano saudável e inclusivo, com acessibilidade funcional infraestrutural, envolvendo todos os segmentos sociais, com preservação cultural, habitação, sistemas de circulação e transporte, saúde e educação. Buscar o positivo, sendo o negativo o urbanismo destrutivo que da valor apenas (a duras penas) a benesses caras e excludentes.

O espaço de Brasília é 70%, no mínimo, livre. É 55%, no mínimo, verde. É uma condição de tal modo excepcional que é gigantesca insensatez fingir que isso não existe.

É um imprescritível crime dispor das áreas públicas de forma tão licenciosa quanto a que tem sido tentada por interesses imobiliários e da indústria da construção, necessariamente com apoio governamental.

A principal e mais urgente ação de preservação de Brasília é a conservação dos espaços públicos, dos parques e jardins, do sistema de circulação de pedestres, ciclistas e outros meios de circulação e mesmo das demais infraestruturas públicas. Não se pode afastar dessa premissa.

Conservação, neste caso, significa um enorme esforço em intervenções e serviços de recuperação e de construção de novas infraestruturas similares ou melhores que as precedentes”.

Cosette Castro

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