As Mulheres e as Microviolências Cotidianas

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Cosette Castro

Brasília – O machismo estrutural  naturalizado entre homens, mesmo os progressistas,  sempre me surpreende. E entristece.

Exemplos não faltam. Imagine uma sala com 96 mulheres e quatro homens. Começo a falar no feminino.  Um deles questiona: “como assim uma fala no feminino?”

Não estamos mais no tempo em que as regras gramaticais eram elaboradas apenas por homens. Mas são essas regras que  seguem valendo.

Naquele tempo, as mulheres eram proibidas de estudar nas universidades, de fazer cursos de Belas Artes ou de terem vidas independentes. Sequer podiam ser juristas e participar das academias.

As leis e as normas linguísticas foram estabelecidas por homens. E no Brasil são eles que ainda são maioria nos tribunais e espaços de poder.

Vivemos em uma sociedade pensada por homens para permanecer privilegiando os homens. Está mais do que na hora de subverter a língua portuguesa para incluir as mulheres. Não somos apêndices.

A boa notícia é que muitos homens somam-se às mulheres e às diversidades de gêneros para transformar nossa língua e nossa sociedade.

No século XXI é urgente falar no feminino para resgatar e homenagear as mulheres que foram caladas e apagadas antes de nós. E as que ainda vivem sob o manto do apagamento.

As mulheres já não seguem mais sendo educadas exclusivamente para serem cuidadoras familiares. Nós nos damos as mãos, criamos redes de apoio, reivindicamos múltiplas formações e outros espaços de atuação. Entretanto, o trabalho de cuidado segue sendo invisibilizado e feminino. E não remunerado.

O cuidado familiar, independente de quem se cuida,  segue sendo considerado um “não trabalho” (Castro, 2021). Apesar de consumir entre 12 e 14h do dia de quem cuida. Todos os dias.

No Coletivo Filhas da Mãe falamos no feminino desde dezembro de 2019 quando criamos uma rede de apoio para acolher quem cuida.

A pergunta que nos uniu foi “quem cuida de quem cuida?”.  O cuidado de pessoas idosas, crianças, pessoas enfermas e pessoas com deficiência é uma questão em todos os lares, independentemente de classe social. Não é mais possível não ver ou negligenciá-lo. A realidade de quem cuida também.

Olhamos para os lados. Para cima. Para baixo. Para trás e para frente. Nós, mulheres, cuidamos em todos os cantos e recantos do país. Somos mais de 90% de quem cuida um ou mais familiares.

Micros e Grandes Violências

No Rio Grande do Sul as mulheres estão se deslocando para abrigos separados para fugir do assédio e da violência masculina. São homens que insistem no crime de entender que corpos femininos, conhecidos ou não, são deles. Em meio à tragédia e ao caos precisamos seguir  acolhendo e protegendo as meninas, adolescentes e as mulheres, adultas e idosas.

Enquanto isso, homens de Norte ao Sul  do país seguem se sentindo no direito de tocar nossos corpos sem pedir permissão.

Isso acontece todos os dias na forma de  brincadeira, na forma de toque explicativo, na forma de “carinho” não solicitado ou através de um toque intencional.

Nem passa pela cabeça da maioria dos homens pedir permissão às mulheres. É algo tão “normal” para eles que nem imaginam que, ser tocada sem permissão,  não é algo natural para nós.

Mas estamos resistindo e transformando essa triste realidade. Homens sensíveis e sintonizados com nosso tempo histórico passaram a perguntar “posso?” antes de tocar na mão, no ombro, na cintura ou no cabelo de uma mulher. São homens que querem construir a Sociedade do Cuidado conosco.

Mesmo que seja em uma consulta com um profissional de saúde, é preciso informar os procedimentos e pedir permissão à paciente. Nosso corpo não é público.

Independentemente da idade, não estamos  a disposição. Essa microviolência cotidiana que é invasiva, provoca medo e pode trazer a tona traumas recentes ou antigos. E raiva da impotência.

Para construir uma Sociedade do Cuidado há uma longa caminhada de aprendizado e diálogo a ser incentivado. Validar as variações linguísticas que tentam expressar o cuidado de gênero é um bom começo.

Nessa construção, precisaremos desconstruir essas  microviolências cotidianas, estimulando desde a infância o respeito aos corpos, em especial o das mulheres.

Cosette Castro

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