Cosette Castro
Brasília – Eu não conheci Julieta Hernández, 38 anos. Mas ela representa todas mulheres que viajam sozinhas, independente da idade.
O assassinato de Julieta, cujo corpo demorou 17 dias para ser encontrado no Amazonas, escancara o medo que sentimos quando saímos às ruas. Ou quando planejamos uma viagem sozinha. Um medo que cada mulher combate, a sua maneira, todos os dias, ao sair de casa.
Eu também não conhecia Taynara Kellen, de 26 anos. Ela não era artista como Julieta. Nem saía pelo mundo em bicicleta levando alegria e arte.
Taynara trabalhava em um salão de beleza no Gama, Região Administrativa do Distrito Federal, e cuidava da filha de 05 anos. Na quarta-feira, dia 10, ela levou a filha para o trabalho. Não imaginava que seria seu último dia. Nem que receberia mais de 15 tiros depois de uma armadilha do ex-marido. Ou que a filha seria testemunha do feminicídio.
O acusado, Wesley Denny da Silva Melo, 29 anos, é Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) e guardava armas em casa. Segundo o Correio Braziliense, “acumula na justiça processos por ameaça, desacato, porte ilegal de arma, vias de fato e, inclusive, violência doméstica praticada contra outras mulheres”.
Wesley estava acostumado a ser violento com as mulheres. Mas estava solto trabalhando como motorista de aplicativo.
Como a justiça permitiu que Wesley seguisse solto com esse histórico? Como foi permitido que um homem com esse perfil tivesse autorização para usar armas e ter acesso ao CAC?
Este foi o primeiro feminicído do ano no DF que completou 2023 com 35 assassinatos relacionados a gênero. Um aumento de 106% da violência doméstica em relaçãoa 2022.
O último crime havia ocorrido na noite de domingo, 31 de dezembro, quando Jaqueline Cristina dos Reis, 29 anos, foi assassinada a facadas em Planaltina pelo seu ex-companheiro. Da família, sobraram três filhos órfãos e um pai preso.
Em 2022, segundo o Monitor da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a cada seis horas uma mulher foi assassinada no Brasil por maridos, ex-companheiros ou ex-namorados. A maioria, mulheres jovens.
Para além das 1,4 mil mulheres que sofreram feminicído em 2022, outras 2.300 crianças e adolescentes ficaram órfãos no país.
Esta é mais uma camada do desamparo que permeia a violência de gênero no Brasil, em geral invisibilizada.
A maioria das crianças e adolescentes são obrigadas a testemunhar a violência doméstica, a repetição das agressões, a falta de proteção do Estado e a desestruturação familiar. E, após o feminicídio, elas perdem toda família ao mesmo tempo.
O Brasil é um País Perigoso para as Mulheres
No Brasil, a violência começa dentro de casa na infância e adolescência com a violência sexual. Em 2022, foram denunciados 74.930 casos no país, uma média de 205 estupros por dia.
Somos o 5o. país do mundo em assassinatos de mulheres. Mas não é apenas dentro de casa que a violência perpassa a vida das mulheres brasileiras.
A violência começa dentro de casa e se expande nas ruas, no trânsito, nos transportes públicos, nas escolas, universidades e ambientes de trabalho. E ainda assim saímos às ruas todos os dias.
Em um país onde os homens se acham donos dos corpos de suas companheiras ou ex-companheiras, a violência contra mulheres não é considerada um escândalo. Mas é.
É um escândalo que as mulheres sigam sendo assassinadas todos os dias no Brasil. E que os homens se sintam impunes, ainda que sejam presos.
É escandaloso que o governo distrital não faça nada para impedir que os homens sigam batendo, mutilando e matando, inclusive com requintes de crueldade as ex-mulheres, namoradas, amantes e até ficantes.
Homens que cometam violência física, sexual, psicológica, moral, patrimonial ou assédio contra as mulheres, deveriam ser mais do que presos.
A violência masculina deveria ser escancarada publicamente de diferentes maneiras, transformando a violência no que ela é: um ato ignóbil.
O que fazer, mais além das campanhas de incentivo as denúncias na mídia e ambientes de trabalho?
Há várias formas alternativas de punição que poderiam ser aplicadas ao invés do Estado esperar o ápice da violência.
Homens violentos deveriam ser proibidos de dirigir, de viajar, de pedir empréstimos, de concorrer a cargos públicos e, se já forem concursados, deveriam perder o emprego. E deveriam ser obrigados a participar de atendimentos especializados que atuem contra a misoginia, o ódio, a discriminação e a violência contra as mulheres. Eles precisam ser sensibilizados para o amor e para o cuidado.
Levando em consideração a realidade das mulheres, em outubro de 2023, o governo federal deu um primeiro passo ao lançar a campanha Brasil Sem Misoginia.
A campanha inclui mais de 100 acordos de adesão à campanha, envolvendo empresas, governos estaduais, movimentos sociais, sindicatos, times de futebol, torcidas organizadas e entidades culturais, educacionais e religiosas.
E quanto à Julieta?
Nesta sexta-feira, 12, em todo país haverá manifestações em defesa da vida das mulheres. Em Brasília, a concentração começa às 16h40 na Rodoviária do Plano Piloto, segue para a Biblioteca Nacional com apresentações artísticas e segue com bicicletada às 20h.
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