Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Se procuramos no Google, rapidamente aparecem 129 mil referências à expressão cultura do cuidado. Apenas na língua portuguesa.
Se fôssemos nos basear em números e quantidades, poderíamos imaginar que o termo é suficiente para abarcar as mudanças que precisamos para sair da Sociedade da Violência em quem vivemos.
Não é.
Ainda mais no Brasil que é um país perigoso para as mulheres, do nascimento (violência obstétrica) à velhice (violência física, psicológica, sexual, patrimonial, idadismo, negligência e abandono). Em especial se forem mulheres negras ou indígenas. Se forem pobres. Ou se tiverem relações amorosas com outras mulheres.
Tratar a questão do cuidado como algo restrito ao âmbito da cultura, como algo restrito ao comportamento, não é suficiente para alcançar mudanças estruturais.
O cuidado, o direito a cuidar, a ser cuidada e ao autocuidado são vistos aqui e tratados como direitos humanos. De todas as pessoas e não de apenas algumas.
Precisamos de uma mudança de paradigma para construir uma sociedade mais igualitária e respeitosa para as mulheres de todas as idades. Onde o cuidado não seja mais visto e naturalizado como “inerente” às mulheres.
Esse deslocamento se torna possível quando passamos a colocar o cuidado como ponto central para conquistar uma sociedade do bem viver e com sustentabilidade. Onde todas as pessoas, empresas e instituições passam a ser responsáveis pelo cuidado nas diferentes fases da vida. Inclusive o Estado.
Para além da centralidade, o cuidado é transversal a todas as áreas do conhecimento. Não pode mais ser tratado em partes, por setores e ciências que pouco dialogam.
É preciso, como vem ocorrendo no atual governo, um esforço coletivo para pensar e propor uma Política Nacional de Cuidado com participação social. (A consulta pública para o marco teórico da Política Nacional de Cuidado está aberta. Participe aqui ).
Precisamos mudanças estruturais. Isso significa romper com um modelo econômico de desenvolvimento que se baseia e sustenta no trabalho gratuito de cuidado feito pelas mulheres.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2020), 76% do trabalho sem remuneração no mundo é feito por mulheres. Não é por acaso que no Brasil elas estão adoecendo, física e emocionalmente, com aumento das doenças mentais.
Quando trabalham também na rua, o chamado trabalho produtivo, as mulheres ganham menos que os homens, ainda que ocupem as mesmas funções. Elas também são maioria no trabalho informal, o que aumenta fragilidade econômica e social em que vivem.
Como se fosse pouco, 55% das mulheres do Brasil são mães solo, assim consideradas as mulheres separadas, as viúvas e as mães solteiras (Datafolha, 2023). Entre elas, 50,8% são chefes de família (Dieese, 2023).
Precisamos muito mais que uma cultura do cuidado. Precisamos avançar para uma Sociedade do Cuidado que coloque a sustentabilidade da vida, a segurança das mulheres e do planeta no centro da questão do desenvolvimento.
Precisamos valorizar as atividades essenciais para a sustentabilidade da vida, seja ela a vida individual, social ou a natureza. E parar de reproduzir desigualdades de gênero, étnicas/raciais, socioeconômicas, territoriais e por idade.
É urgente parar de fazer de conta que a violência contra mulheres, inclusive no âmbito político, não nos diz respeito, assim como o preconceito contra pessoas idosas, desrespeitadas e tratadas como um peso diariamente.
Caso contrário, o número de feminicídios seguirá subindo, como ocorre no Distrito Federal onde 32 mulheres já foram assassinadas em 2023. Ou a violência doméstica.
Esta semana foi lançada pesquisa sobre a violência contra as mulheres 2023 realizada pelo Data Senado. O estudo, que ocorre desde 2005, revela que três em cada 10 mulheres já sofreram violência doméstica no Brasil. Isso incluindo apenas aquelas que têm coragem de contar.
Caminhada Solidária no dia 26 de Novembro
No domingo, dia 26/11, estaremos caminhando em solidariedade a todas as mulheres. A Caminhada pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres acontecerá no Parque das Garças, no Lago Norte, às 8h30, na Capital Federal. A campanha mundial, que ocorre um dia antes, dia 25, teve início em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e é caracterizada pelo uso da cor laranja.
A Caminhada Solidária pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres do dia 26/11 acontece em parceria com os seguintes grupos de trilhas e caminhadas do Distrito Federal: Grupo Caminhadas de Brasília (GCB), Grupo Caminhantes do Cerrado (CDC) e Grupo Caminhadas Noturnas de Brasília. Inscreva-se gratuitamente aqui.
PS: Até 2022 utilizávamos o termo cultura do cuidado. Até incluirmos em nossas reflexões e estudos o trabalho realizado pela CEPAL e seus 33 países membros e as decisões da Carta da Argentina no final do ano passado.
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