Vivemos Envelhecendo

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Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – Hoje temos uma convidada especial, Patrícia Bizerril, Psicanslista que atua em Brasília e é uma das participantes do Coletivo Filhas da Mãe. Ela conta sobre o envelhecimento dos pais e os caminhos que buscou para cuidá-los nessa fase.

Patrícia Bizerril – “Num de repente, nem tão de repente, me dei conta do envelhecimento dos meus pais, da proximidade dos seus 90 anos e de como a perda de memória já afetava algumas atividades rotineiras. Daí me dei conta também do tamanho do meu despreparo e da minha ignorância sobre a velhice, saudável ou não.  Com a troca de funções, cuidar de quem sempre me cuidou, busquei caminhos que me ajudassem a ajudá-los.  Comecei mexendo e remexendo em imagens da infância e da adolescência, nos momentos com meus avós e suas presenças marcantes. E me deparei com a crença tola de que velho sempre tinha sido velho. Naquela época eu não conseguia ver que realmente tinham tido uma juventude, que carregavam outras vidas. Passei a ver um pouco além disso ao acompanhar o processo de envelhecer dos meus pais e, claro, também o meu.
Testemunhar esse antes e depois dos cabelos brancos, tem ajudado a sair de um lugar ilusório para me aproximar mais da realidade.  E assim, as palavras nietzschianas vão ganhando novos relevos “Na mesa da minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo”.
Também busquei, ainda no passado, algo nos anos de graduação em Psicologia, nos tempos de formação em psicanálise. Tempos em que quase não se falava do idoso, do envelhecer.  Eram poucas publicações, poucas linhas dedicadas ao tema velhice. Mas, uma autora exceção, Simone de Beauvoir, nem psicóloga nem psicanalista, dedicou centenas de páginas a esse tema.
Em seu livro, intitulado “A velhice”, ela nos conduz a várias culturas e a vários tempos da humanidade, mostrando como o idoso ora é valorizado, ora não. Diz que em poucos grupos sociais o idoso é amparado por sua condição de velho, daquele que necessita de cuidados, de atenção e de reconhecimento de sua trajetória.
Em muitos outros, essa valoração está atrelada ao poder econômico e político. Se determinado velho tem dinheiro  ou prestígio político, será amparado, caso contrário, será mantido a margem da sociedade.
Apesar da valorização em algumas culturas e contextos, em geral, a exaltação à juventude é tanta que ao idoso resta o abandono, numa grande maioria de sociedades. E neste cenário de abandono, nas palavras da autora,  “Os homens eludem os aspectos de sua natureza que lhes desagradam. E estranhamente, a velhice”.
E a psicanálise, jovem em relação a outros campos de saber, mas já uma centenária, o que tem a falar?
Seu fundador, Sigmund Freud, não a recomendava para maiores de 50 anos, devido ao que ele considerava limitações da idade. Mas ele mesmo não se prendeu às tais limitações, usou de toda sua criatividade e inteligência para trabalhar e escrever até sua morte, aos 83 anos.
O curioso é que, ainda hoje, mesmo com o aumento da população idosa, temos consultórios esvaziados de velhos, mas cheios de crianças, adolescentes e jovens adultos.
O que ainda impede que falemos dos sentimentos e inquietações sobre o como nos vemos nesse envelhecer? Tantos anos já se passaram desde Freud, e tais dificuldades ainda persistem.
Nesse vai e vem de buscas e caminhos, encontrei o Coletivo Filhas da Mãe. Nascido em 2019, por cuidadoras e ex-cuidadoras de mães com demências, ele atua em várias áreas: cultura, políticas públicas, informação, ciência e pesquisa.
Há quem diga que com coisas sérias não se brinca, mas o Coletivo faz diferente. Ele, com o lúdico, torna leve assuntos sérios e os leva para diversos cantos. Esse deve ser o segredo do fôlego de suas criadoras ao inaugurar tantos espaços: desde oficinas de adereços e estandartes, passando por blocos carnavalescos e Rodas de Conversa, chegando em Fóruns e Plenárias, com seus debates e reflexões. E assim vai, embalando a todos com uma marchinha pra lá de especial:

Quem me cuida?

Quem te cuida?

Eu te cuido

Tu me cuidas

Nesse refrão, ouvimos uma verdade que, de tão simples, muitas vezes ficamos surdos a ela: ao cuidar, somos cuidados também. E no Coletivo, diante do desamparo, nos amparamos com palavras, gestos, perguntas, encontros, entre tantas outras coisas. Construímos um saber a partir da troca de experiências e observações diárias.
Estou muito agradecida!”

PS: Ainda está reverberando entre nós a energia amorosa que circulou esta semana através do projeto “Apresente sua Mãe”. Com as participações no Projeto vindas de diferentes lugares do país homenageamos as mães em toda sua diversidade. E, através delas, tiramos o cuidado e as pessoas que cuidam da invisibilidade, dando nome e voz a cada uma. A apresentações estão disponíveis no Instagram: @blocofilhasdamãe.

Cosette Castro

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