Ana Castro, Cosette Castro & Convidada
Brasília- Vivemos em um país violento onde ocorrem 02 estupros por minuto (IPEA, 2022). Sim, por minuto.
No Brasil, as meninas e mulheres de todas as idades, inclusive idosas, não estão seguras nem dentro de casa. Aliás, é dentro de casa que as violências começam e o Distrito Federal não é exceção.
Nesta edição convidamos a delegada Cyntia de Carvalho e Silva para escrever sobre violência contra a mulher idosa. Há 04 anos ela está a frente da DECRIN, Delegacia Especial para Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, Por Orientação Sexual, Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência em Brasília.
Cyntia Carvalho e Silva – “Mais um dia 08 de março e venho trazer flores para você. Rosas, gerânios, girassóis? Mas será que você quer flores?
Será que ser mulher é apenas gostar de receber flores, chocolates, perfumes, roupas e sapatos. Ou comemorar o dia das mães?
Será que todas as mulheres são iguais em suas características e trajetórias? Imagine as diferentes vivências e modos de sentir de uma mulher negra, de uma mulher branca, de uma mulher indígena. Ou de uma mulher com deficiência, uma mulher LGBTQIA+. Ou ainda uma mulher idosa.
Se tivermos sorte, todas as mulheres irão envelhecer com suas características físicas, psicológicas e gostos. Mas elas (e você) vão vivenciar, em algum momento, a dupla opressão de ser mulher e de estar em processo de envelhecimento. Ser uma mulher idosa em uma sociedade que cultua a juventude como fonte de energia, é um grande desafio.
Antes de falar sobre a violência em sentido estrito contra as mulheres idosas como a violência patrimonial, o estelionato amoroso ou a violência física, quero tratar de um tipo de violência que julgo ser a porta de entrada de todas as demais modalidades de sofrimento contra as mulheres idosas. É a violência do cotidiano que nos permitimos sofrer em relação as cobranças do envelhecimento.
Segundo o IBGE, as mulheres têm, em média, uma expectativa de vida de 10 anos a mais do que os homens.
Com mais tempo de vida, as mulheres vão passar por um enfraquecimento de suas habilidades e capacidades. Mas isso é normal, faz parte da idade.
Por que então nos cobramos tanto esteticamente? Por que essa corrida por procedimentos estéticos e (tentativa de) rejuvenescimento que vão além do autocuidado saudável?
Os excessos não fazem bem. Essa cobrança social demasiada por beleza só traz frustração contra o inevitável: vamos sim, envelhecer. E está tudo bem. Aliás, está tudo maravilhoso. Estamos vivas.
A busca pelo elixir da juventude e pelo corpo perfeito é uma violência social que aceitamos como “natural” e nos infringimos a cada dia para atender padrões de beleza. Isso rouba nossa energia e nos deixa vulneráveis para cair nas mãos do primeiro estelionatário que promete o paraíso.
Etarismo ou idadismo são nomes dados para o preconceito de idade. Ocorre quando alguém faz julgamento prévio sobre outra pessoa por conta da idade ou da geração a que pertence. Isso é uma grande violência.
Quem disse que há roupa apropriada para uma determinada idade? Não se pode usar saia curta aos 70? Vestido de alcinha? Mulheres 60+ não podem ir a baladas? Por quê?
Quem define essas regras sociais que causam sofrimento?
Sem contar a autocensura. ‘Ah… mas o que os outros vão pensar? O que meus filhos vão dizer?’
Repita comigo: ‘minha vida, minhas regras!’ Os outros, os filhos ou quem quer que seja, têm as regras deles para as vidas deles. Eles não têm o direito de definir a sua vida.
No que diz respeito ao cuidado, segundo o IBGE, em 2019 os homens dedicaram em média 11 horas por semana aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos.
E as mulheres? O tempo dedicado pelas mulheres a essas tarefas foi de 21 horas e meia por semana. Quase o dobro.
Nem precisaria de pesquisa para saber que ao longo de suas vidas as mulheres cuidam mais. Cuidam mais da casa, da família, dos filhos, dos companheiros, dos amigos, dos colegas de trabalho.
Mesmo que essa tarefa traga satisfação afetiva para algumas pessoas, há uma enorme carga psicológica de preocupação e sentimento de que as mulheres necessitam dar conta e tomar a iniciativa para tudo.
Não. Não precisaria ser assim. Quanto mais o tempo passar, mais nossa capacidade física e cognitiva vai se reduzindo. Precisamos de tempo para nós e para o autocuidado. Para escutar nossos desejos e sonhos.
Somos ensinadas a cuidar desde cedo. Mas é possível fazer outras escolhas. Ser babá a vida inteira de filhos, companheiros, amigos e netos é uma das piores formas de violência contra nós mesmas.
E por falar em desejos e sonhos, como andam os seus? Sejam eles sexuais, patrimoniais?
Durante muito tempo, as pessoas 60+ sonhavam com a aposentadoria ou em reduzir as atividades atividades.
O seu tempo é agora. Não permita que ninguém interfira na escolha de seu companheiro. Que determine para onde viajar. A forma de expressar sua sexualidade. Ou o que fazer com o seu patrimônio. A decisão é sua e é uma boa prevenção contra os principais crimes contra mulheres idosas.
A DECRIN é uma delegacia especializada em populações minorizadas, entre elas, as pessoas idosas. E está a sua disposição. Feliz dia da Mulher.”
PS: Caso você sofra preconceito de qualquer tipo, procure a DECRIN. Telefone: 6132074241, e-mail: decrin-saa@pcdf.df.gov.br ou direto no local: SPO Lote 23, Conjunto Edifício Sede da Delegacia de Polícia Especializada (DPE)
PS2: Dia 08 de março haverá mobilização em todo país. Em Brasília, a Marcha das Mulheres pela vida com dignidade se reúne no eixo Íbero-americano, às 16h, e de lá, segue até o Palácio do Buriti.
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