Pedalar É Suave

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Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – Autocuidado e prevenção da saúde são mantras no Coletivo Filhas da Mãe. A prática de exercícios também, entre eles andar de bicicleta.

Há bons motivos para pedalar. A Capital Federal é a segunda cidade do país em malha cicloviária (633,4 km). Brasília apresenta uma geografia plana, o que facilita a prática e traz benefícios para a saúde. No entanto, a direção irresponsável e a impunidade ainda são fatores de risco para ciclistas, independente da idade.

Para falar sobre o tema convidamos Renata Aragão, coordenadora da ONG Rodas da Paz. Ela perdeu o filho, Raul Aragão, cicloativista de 23 anos, em 2017.

Renata Aragão – “Pedalar é Suave”, assim respondia Raul Aragão quando perguntavam se ele não tinha medo de pedalar diariamente e usar a bicicleta como meio de transporte. Um dia Raul pedalava suave quando um motorista que dirigia de forma irresponsável e criminosa o fez ir pedalar no universo, nas nuvens brancas da paz no trânsito. Ele virou bicicleta.

Quando um filho chega a nossa vida, grandes mudanças acontecem. Ele preenche, é o novo, com todo vigor e potencial. Quando esse filho se vai, nada fica no lugar. Resta um vazio, muita dor, tristeza, saudades e revolta. Como viver a partir de tamanha perda e violência?

Para sobreviver, optei por homenagear meu filho passando a andar de bicicleta diariamente. Assim eu ficaria mais perto dele, dos amigos, da vida dele sem ele. E realizaria parte de seus planos.

Pedalando, descobri-me numa nova vida na terceira idade, muito desafiadora e saudável. Tornei-me uma cicloativista, desajeitada e fora de época, mas com capacidade de transformação e de sobrevivência. Depois tornei-me voluntária da Associação Civil Rodas da Paz. E segui pedalando, vivendo a delícia de me deslocar diariamente de bicicleta, com as intensidades, os prazeres, as dificuldades e os riscos.

Vendi meu carro e hoje coordeno essa organização não governamental, em mais uma homenagem a Raul. Ele era um de seus voluntários mais atuantes. A Rodas da Paz foi criada há 20 anos para reagir à violência e ao crescente número de sinistros e mortes de ciclistas no Distrito Federal.

Trabalhamos para a promoção da mobilidade sustentável, plural e pacífica, como direito de todo cidadão. Buscamos incidir sobre a mobilidade urbana por meio da sensibilização e da mobilização cidadã, do controle social e da influência sobre políticas públicas.

Acreditamos que os pedestres devem ter preferência sobre todas as outras formas de deslocamento. Também incentivamos o uso cotidiano da bicicleta (seja como lazer, esporte ou transporte) como estratégia para dar visibilidade ao tema da mobilidade e do direito à cidade.

A bicicleta e a Rodas da Paz deram à minha vida sentido, saúde, alegria, equilíbrio e força. Realizamos muitas ações. Destaco o nosso programa social permanente “Doe Bicicleta”.

Recebemos bicicletas sem uso, largadas e esquecidas. Recuperamos e doamos essas bicicletas às entidades sociais para que as pessoas assistidas as recebam para uso no trabalho, em seus deslocamentos diários, para estudo e outras atividades. Encantamos e realizamos sonhos de crianças com as doações de bicicletas.

Sabemos que pedalar ainda é muito arriscado nas vias do Brasil e que muitos ciclistas são vítimas fatais ou sofrem graves danos físicos e emocionais em consequência de sinistros violentos ou assaltos.

Há ainda risco de quedas por irregularidades nas vias e nas ciclovias, “finas educativas” e outros comportamentos inadequados (criminosos) dos motoristas. Defendemos veementemente a readequação das velocidades nas vias urbanas, para que sejam compatíveis com a vida.

As políticas públicas de mobilidade precisam priorizar a mobilidade sustentável nos seus investimentos para que as cidades sejam para as pessoas e não para os automóveis. Em vez de viadutos, vias “ferozes” e trevos mirabolantes, os espaços públicos devem proporcionar conforto e segurança nos deslocamentos necessários e opcionais, qualquer que seja o modal.

Mudanças culturais precisam acontecer.

A educação é imprescindível para a paz no trânsito, de forma permanente e que integre a grade curricular do ensino fundamental e médio. É preciso que desde a primeira infância se ensine o respeito à vida, às diferenças, ao menor e às pessoas mais vulneráveis.

Também é importante que haja fiscalização eficiente e consequente para quem não respeita as leis de trânsito e põe a vida de todos em perigo.

É essencial que haja justiça para os crimes de trânsito, para as vítimas e seus familiares. Infelizmente é do conhecimento popular que “nada acontece com quem mata no trânsito”. Isso contribui para o aumento alarmante e inaceitável número de vítimas.

Temos muito a evoluir como sociedade para pedalar com segurança, mas pedalar salva vidas como salvou a minha. Na pandemia da Covid-19 pedalar foi solução para muitas pessoas, um alento para a depressão e o isolamento. Foi um novo estilo de vida para alguns, instrumento de trabalho para outros quando as cicloentregas viraram realidade e vieram para ficar.

Uma cidade será mais feliz, bonita, harmônica e pacífica com mais bicicletas.

Volto a Raul dizendo que “pedalar é suave”. E termino com uma sugestão: faça de conta que estamos numa cidade calma, amiga da mobilidade sustentável. Feche os olhos. Inspire, se sinta pedalando. Sinta o vento no rosto, o calor do sol, o encanto do luar, o frescor da noite, os cheiros, a paisagem, as árvores, os animais, as crianças brincando, o aceno das pessoas, a gentileza de um motorista…

Se puder, pegue uma “magrela” e saia pedalando. Eu já não preciso mais falar. Pego minha bicicleta e ganho o mundo. Ela fala por mim e por Raul. Estou viva.”
#Raulvive através de mim, pedalar é suave.

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, apoiamos a cultura da paz no trânsito. Insistimos na necessidade de educação desde o ensino fundamental, assim como campanhas permanentes sobre direção preventiva. Também apoiamos leis mais severas para motoristas irresponsáveis que inclua prisão, multas pesadas e a proibição de dirigir veículos de quatro rodas para toda vida. É o mínimo para evitar que ocorram 02 mortes de ciclistas por mês no Distrito Federal.

Cosette Castro

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