Você Já Assistiu “La Once”?

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Desafiei a Cosette a assistir e comentar o documentário chileno “La Once”, disponível no Netflix.

Ela aproveitou o fim de semana para escrever o texto abaixo.

Cosette Castro – “La Once” é um documentário sobre amizade, envelhecimento, finitude, vida e morte. Mais vida do que morte, embora a finitude esteja presente em todos encontros e momentos do filme.

A princípio pode parecer que ” la once” (onze) é uma referência ao número de amigas da escola primária que se encontram mensalmente há mais de 60 anos.

Ledo engano. Os “onze ” não dizem respeito às horas ou ao número de participantes. No Chile, se alguém convida para “la once” está convidando para um drink. “La once” está relacionado as 11 letras da palavra “aguardiente”, bebida que os trabalhadores chilenos ingerem desde os tempos de colônia na pausa do trabalho.

É um código para não ser descoberto tomando bebida alcóolica. No documentário, a bebida aparece na forma de licor, um “digestivo”, como dizem os espanhóis, que marca o final de  cada encontro.

Os chás da tarde são um costume tipicamente inglês (às 5) que as classes médias e alta da América de descendência espanhola e portuguesa adotaram como seus. Esse costume foi perdendo força entre as novas gerações a partir dos anos dois mil. Mas ainda se mantém entre pessoas acima dos 60 anos.

Os encontros foram filmados com delicadeza e riqueza de detalhes, ofertando outra dimensão do tempo dessas mulheres. Uma geração que se dedicou “ao lar, ao marido e aos filhos”. Uma geração que segue cuidando, seja os maridos envelhecidos ou filhos com necessidades especiais.

As salas de jantar aparecem com a mesa farta de doces e salgados. E também com diferentes tipos de chás e infusões, característicos da classe média alta chilena. Mas nem tudo são bolos e tortas.

No decorrer da narrativa, em meio às brincadeiras, aparecem as dores.

A mãe que gostaria que a filha fosse mais bonita e vivia puxando seu nariz. A jovem que foi proibida de seguir estudando e só pode realizar seu sonho depois de envelhecer. A traição corriqueira nos casamentos dos anos 50, 60, 70. O machismo institucionalizado. O preconceito, delas e entre elas.

Aos poucos a audiência é convidada a conhecer a casa de cada uma das participantes, já que há rodízio mensal dos encontros. E em algumas, até a cozinha.

No grupo, tudo começa pontualmente a “las cuatro de la tarde”. Elas vão chegando aos poucos. Mas as vemos diretamente em volta da mesa. Com seus olhares e trejeitos, risos, poemas, receitas e canções.

“La Onze” trouxe de volta os encontros semanais de minha avó com as amigas. Com seus jogos de cartas e tardes de chá regadas a lanches e doces deliciosos.

As amigas, que quase não tratam de política, falam do passado e da escola católica. Mostram o desejo de casar, as receitas da época e compartilham cartas de amor. Pinochet parece não ter existido nesse mundo. E, principalmente, recordam a época dos manuais das “boas moças casadouras”.

Uma época de desconhecimento dos seus corpos, da sexualidade e dos seus direitos.

Um tempo onde a “boa mulher” deveria se sentir plena por cuidar da casa, do marido e dos filhos. Tipicamente “recatada e do lar”. Quem rompeu com essa ideia foi a única amiga que se negou a casar.

O documentário, de 2015, é dirigido por Maité Alberti, neta da Tere, a Maria Teresa. É Tere que vai nos apresentando as amigas, de forma delicada e brincalhona. As amigas são mostradas com seus defeitos e fortalezas.

Essas mulheres mantiveram ao longo dos anos o vínculo saudável da amizade e da rede de apoio. Celebraram e se apoiaram mutuamente.

No documentário, elas passeiam em grupo. Compram pacotes turísticos para viver a experiência de uma tarde ou dia fora. Isso vai além dos encontros mensais e da segurança da casa.

As amigas há anos vêm envelhecendo juntas. Elas acompanham os tratamentos médicos, as restrições de saúde, a finitude da vida e tem na espiritualidade também um espaço de apoio.

Se você decidir assistir o documentário, não espere grandes movimentos ou alvoroço durante pouco mais de uma hora. No relato cotidiano há valorização das pequenas coisas e dos encontros mensais.

Mais do que isso, o filme mostra a força da amizade, da rede de apoio, do afeto e a importância da resiliência. Particularmente perante os desafios, as perdas e os esquecimentos”.

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Cosette Castro

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