Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Nossas memórias giram em torno da mesa e da comida. De temperos e sabores.
Receitas de avó e de mãe trazem sempre uma carga afetiva especial.
Quando elas erram no sal, esquecem o jeito de fazer pratos tradicionais ou se atrapalham nas festas de família, soa o alerta. Algo está fora da ordem.
Visitas a especialistas se sucedem e o medo de instala. Diagnósticos de demência não são fáceis de aceitar. É dolorosa a perda cotidiana da mãe como a gente conhecia.
Natais, aniversários familiares e dia das mães se tornam menos eufóricos sem o pulso das matriarcas. Mudam as prioridades e rotinas.
No caso das mães, quando existem cadernos com caligrafia caprichada e muitos pingos de gordura e ovo a tarefa é mais leve. Mas o que era prática cotidiana, um jeito de fazer “de cabeça” não se recupera mais. E com isso, se perde um pouco da história de vida e da família.
Algumas de nós tentam regatar as receitas, os temperos e sabores. E manter tradições.
Ana Castro, por exemplo, mergulhou no universo das receitas que aprendeu com a mãe. E manteve o cardápio das festas que tanto empolgavam sua mãe, a Normita.
Quando o avanço do Alzheimer passou a atrapalhar a alimentação, esse resgate das comidas de infância e das festas baianas , ajudou a mãe a voltar a comer.
Estava se perdendo na memória o equilibrar da comida no talher, o mastigar e mesmo o engolir. A ponto de chegar ao diagnóstico de desnutrição e indicação do uso de sonda para alimentar a Normita (gastrostomia).
Uma pessoa com demência costuma enfrentar perda progressiva de habilidades. Entre elas a de se alimentar.
Pode recusar alimentos que gostava. Ou devorar doces e reclamar sempre que está com fome. Brincar com a comida, pegar com a mão. Fazer bagunça.
Também pode demorar horas em uma refeição. Sem contar os engasgos que apavoram as cuidadoras.
Na medida que as fases da doença avançam, as refeições do familiar com demência costumam ser fonte de frustração e angústia para quem cuida. Seja familiar ou profissional.
Inspirada no livro “Tratamento Paliativo da Doença de Alzheimer”, de Garry Martin e Marwan Sabbagh (2011), Ana Castro investiu no que os autores consideram “alimento de conforto”. Ou seja , tudo que a mãe fosse capaz de aceitar, tolerar ou comer.
Oferecia pequenas refeições em diversos horários, com alimentos macios e doces, mais fáceis de aceitar. Descobriu que era melhor a aceitação de comida que dispensasse talheres. Em pequenos formatos.
Investiu em todos tipo de fruta e alimento que remetesse à infância na Bahia. Os aromas de canela, dendê, pão e bolos iam abrindo o apetite da Normita.
Mais que alimentação, comer restabelecia ligações afetivas.
Outro caminho foi identificar tudo que pudesse distrair ou irritar, uma da propostas do livro. TV, ruídos, risadas altas ou conversas paralelas. Até uma louça com muitos detalhes pode desviar a atenção de um paciente com demência.
A ajuda de uma nutricionista é de grande valia, mas poucos profissionais têm experiência com pacientes com demência e suas variantes. E pouca flexibilidade para desconsiderar as dietas restritivas por conta de patologia como diabetes ou colesterol alto.
O que a alimentação de conforto propõe é, em primeiro lugar, identificar o que a pessoa gostava de comer.
Reconhecer as preferências alimentares é sinal de respeito ao paciente e às suas origens culturais e étnicas.
Cabe à família traçar um histórico de nutrição. Churrasco ou sushi? Farinha, macarrão ou arroz ? Que frutas e legumes mais provocam sorrisos e sinais de prazer?
Da mesma forma, caretas e recusas apontam nossos erros. Há quem rejeite o arroz “sujo” de caldo de feijão. Oferecer num pratinho separado com feijão pode dar certo.
A variação de texturas, cores, de temperatura e de apresentação ajudam a garantir os valores nutricionais.
Dá trabalho. E é um imenso desafio quando se trata de uma instituição, mas é gratificante conferir os resultados. Normita, por exemplo, se alimentou muito bem e com prazer até o fim dos seus dias.
E a Ana Castro repete até hoje as deliciosas receitas da mãe para a família, amigas e amigos.
Neste sábado, véspera do dia das mães, o Coletivo Filhas da Mãe em parceria com o Site Cuida de Mim vai realizar uma live sobre Cozinha Afetiva a partir das 15h.
Ana Castro, Miriam Morata e Carmem Ferrari prometem uma tarde com diversão, risadas, comida especial e muito afeto. A live poderá ser assistida no canal do YouTube Filhas da Mãe Coletivo.
Essa é uma pequena amostra do projeto “Comida Afetiva” que o Coletivo Filhas da Mãe está organizando.
A partir do financiamento coletivo no site Vakinha virtual, o Coletivo pretende compartilhar este legado em vídeos no seu canal do YouTube e, talvez, até em livro.
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