Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – É longo o caminho de um possível diagnóstico de demência, para especificar o que está errado.
Descobrir algo que vai além das dificuldades que aparecem com a idade.
Lá dentro, bem dentro, escondidinho, vem a esperança de que não seja nada grave, mesmo que o exame de ressonância magnética e a visível perda cognitiva denunciem que algo não está bem.
São longas as noites sem dormir. Sono picado, insegurança. Medo do amanhã. Dormir uma noite completa, só com remédio.
A vida que um dia esteve sob controle, se perde em dias difíceis de identificar.
Hoje é terça ou quinta? Não, já é sexta-feira. Pela casa estão espalhados calendários de parede. O difícil é lembrar de olhar.
Um dia as contas estiveram em dia. Hoje passaram a ser números perdidos.
Os atrasos acontecem por vários motivos. É complicado entender os números. É difícil lembrar a senha do banco. Outra senha perdida. Mais um cartão perdido. Até não ter mais cartão.
É difícil ir ao banco. Fazer fila. Explicar. É difícil lembrar os papéis e compromissos que se acumulam.
E ter dinheiro na conta? A aposentadoria não é suficiente. Há muito gasto com remédios. Com alimentação. Aluguel. Não dá pra pagar plano de saúde. E o custo de vida não para de aumentar.
É difícil pedir pra filho gerenciar as contas. É complicado ter de lembrar que precisa seguir gerenciando todo o mês. Parece cobrança. E ele (ou ela) tem a sua própria vida pra cuidar.
Da vergonha, medo, insegurança. Como assim, inverter os papéis? Ainda mais pra quem sempre cuidou.
A independência e a autonomia vão escorrendo como água entre os dedos. E começa uma espiral que gera ainda mais ansiedade.
Entrar no cheque especial. Não conseguir sair do cheque especial. Esquecer que tinha de falar com o gerente do banco. E os convites para aceitar empréstimos pelo telefone? “Tudo para facilitar a sua vida”.
Já não dá mais pra dirigir. Nem a vida nem o carro. As marchas ficaram complicadas. As ruas viraram labirintos. Mais medo e ansiedade.
Na fila de espera do atendimento público especializado, ninguém vai sozinho. Não dá pra ir sozinha. Alguém precisa estar lá para lembrar depois. Pra organizar, planejar e passar adiante as informações.
No serviço público do Hospital Universitário de Brasília (HUB), mais especificamente no Centro de Medicina do Idoso (CMI) há filhas levando mães, pais, avós ou avôs.
Há filhos que não querem (nem conseguem) deixar de ser filhos. Há cuidadoras que nem sempre sabem explicar direito nem têm a memória da família. Há amigas pra dar apoio.
Em todos, perpassa o mesmo olhar de medo. A mesma insegurança. Ainda que todos, a exceção dos pacientes, tentem manter a pose e o controle.
No serviço público, a conversa com a médica (cada consulta é realizada um profissional diferente da equipe) exige paciência. Isso quando não ocorre na frente de toda equipe. Vários olhos observando, escutando, analisando, aprendendo.
Utilizar o serviço público exige passar uma manhã ou tarde inteira vendo os outros pacientes, com seus diferentes tipos e graus de demências e seus acompanhantes. E a cada consulta, contar tudo de novo. E avaliar. E esperar pelo diagnóstico.
Ainda assim, com todas as dúvidas e esperas, o serviço público garante serviço médico, odontológico, psicológico, assistente social, nutricionista, fonoaudióloga, entre outras especialidades, exames, algumas medicações e fraldas geriátricas, quando necessário. Tudo gratuito. Ufaaa!
Quanto ao diagnóstico, demora. Enquanto isso, é preciso viver sem resposta definitiva, mas com ajuda familiar e externa.
De certezas, apenas a de que é possível dormir e acordar. E que vai nascer o sol, mas haverá alguns dias de chuva. Ou muita chuva, como anda ocorrendo.
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