A Demência é uma Doença Democrática?

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília –    A demência é  e,  ao mesmo tempo, não é uma doença democrática.  Ela é democrática na medida em  que atinge pessoas de todas as classes sociais, econômicas e culturais. Mas atinge de forma diferente cada um desses grupos.

Imagine que  todos estão no mesmo barco e ele está afundando. Ao  pular do barco, a maior parte das pessoas têm a disposição apenas pequenos botes; outros,  podem usar barcos a vela e motor para escapar. E  tem aqueles que podem usar transatlânticos para enfrentar as turbulências e o mar agitado. Esse é o tamanho das diferenças.

As demências são doenças degenerativas que exigem tratamento multidisciplinar,  envolvendo várias áreas. Quem não pode pagar plano de saúde ou pagar consultas particulares, já sai perdendo. Mesmo quem consegue pagar planos de saúde enfrenta uma série de  obstáculos para oferecer ao familiar doente   tratamentos multidisciplinares por muitos anos.

Esses tratamentos incluem,  além do geriatra, neurologista e/ou cardiologista e psiquiatra,  outros profissionais  da saúde. Fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, nutricionista, profissional da educação física, neuropsicólogo, dentista  e psicóloga. E cuidadoras  que – quando contratadas individualmente ou por empresas terceirizadas – não são pagas pelo plano de saúde.

No serviço público, embora haja iniciativas louváveis, não é toda cidade do país que tem um Centro Médico do Idoso (CMI) como o do Hospital Universitário de Brasília (HUB),  referência no tratamento de demências e Alzheimer na Região Centro-Oeste.  Mesmo o CMI vem sofrendo com os cortes que o governo federal fez nas áreas de educação,  pesquisa e  saúde. E com isso,  está  reduzindo muito  suas atividades.

Não há nada de democrático nas demências quando  pensamos o deslocamento de pacientes para qualquer lugar fora de casa. Pacientes  em estado avançado,  pacientes cadeirantes ou  aqueles que estão em estado avançado e são  cadeirantes ao mesmo tempo . Os  enfermos se assustam, ficam  confusos, agitados e nervosos a cada saída. E isso se reflete na pessoa que cuida e na qualidade do cuidado.

Não é fácil o deslocamento em carro próprio. Nem todo paciente aceita ficar sentado, amarrado em um cinto de segurança enquanto guardamos a cadeira de rodas no  porta malas ou nos deslocamos no trânsito. É difícil e em geral mais demorado quando usamos aplicativos, como Uber, que  tem  poucos carros adaptados disponíveis.

Imagine agora  o grau de dificuldade para colocar essa pessoa em estado avançado de demência, a pessoa cadeirante,  ou um  paciente em estado avançado e também  cadeirante em um transporte público,  ônibus ou metrô.

Se levarmos em conta a falta  de acessibilidade nas cidades brasileiras,   andar a pé ou empurrando uma cadeira de rodas se torna  outro  grande desafio. Essa tarefa hercúlea é realizada frequentemente por cuidadoras familiares mulheres em todo o país. Sozinhas, independente da  idade ou do grau de fragilidade  física.

Há pouco suporte público para atividades físicas e para as  cognitivas. As atividades ofertadas por empresas particulares oneram o orçamento familiar e dificilmente são pagas pelos planos de saúde. Não existe política pública  nacional voltada para o setor.

Quem atua nessa área é o SESC, pioneiro no suporte ao envelhecimento,  que ampliou a oferta de atividades físicas, culturais e recreativas para as faixas acima de 60 anos. O Grupo dos Mais Vividos (GVV), por exemplo,  existe no  Distrito Federal  desde 2003 e atende 1,5 mil integrantes ativos em sete unidades. Em tempos de pandemia as atividades possíveis  estão sendo oferecidas on line.

Quem tem recursos para ter  acesso a serviços privados ou pelo plano de saúde  e  desenvolve uma demência, vai ter maior qualidade de vida, principalmente na questão de movimentos. Uma pessoa que é deixada na frente da televisão  parte do dia  perderá movimentos e autonomia com mais rapidez.

A aquisição das medicações é outro transtorno. Quem pode pagar,   gasta mensalmente  algo em torno de 600 a 900 reais com medicamentos, de acordo com o nível da doença.  Os planos de saúde, por sua vez,  em geral repõem apenas parcialmente  o valor de alguns medicamentos.

O SUS oferece algumas medicações, mas não todas. Algumas dessas  medicações  só podem ser receitadas pelo neurologista ou pelo psiquiatra. Isso obriga o comparecimento do paciente no posto de atendimento causando estresse em enfermos e cuidadores,  submetidos a filas de ônibus e filas de espera.

O próprio diagnóstico é diferenciado de acordo com a classe social, econômica e cultural do paciente. Ele pode ser atendido por um médico sem experiência  e demorar muito tempo até a família descobrir  que desenvolveu  um dos cinco tipos mais conhecidos de  demência, como Alzheimer. Principalmente no caso dos homens, mais resistentes a visitas médicas e a exames.

Quem tem plano de saúde,  pode ser atendido por diferentes médicos  até confirmar o diagnóstico.  Em casos mais privilegiados, pode  ser atendido por especialistas renomados do DF ou de outros estados,  utilizando centros privados de referência em demências.

A diferença de outros países que decidiram enfrentar as demências como uma questão de saúde pública, o Brasil corta orçamento em saúde e educação e age como avestruz. Eles  optaram  pela formação de profissionais, pela realização de  campanhas públicas, pela  prática da prevenção e pelo diagnóstico precoce. O Brasil escolheu  desconhecer o tamanho do (imenso) problema que tem pela frente.

Cosette Castro

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