Valdir de Oliveira: “A inteligência artificial está destruindo a inteligência humana e precisamos refletir sobre isso”

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Entrevista // Valdir Oliveira, superintendente do Sebrae-DF

O Sebrae-DF vai promover o Inova Digital, evento entre 12 e 14 de novembro, com a presença de celebridades do mundo digital como a consultora Brittany Kaiser, diretora de desenvolvimento da Cambridge Analytica, empresa que combinava mineração a análise de dados com comunicação estratégica para processos eleitorais.

Kaiser participou do documentário Privacidade hackeada, transmitido pela Netflix.

Outra figura que confirmou presença é Jaron Lanier, um dos maiores conhecedores da realidade virtual no mundo.

Crítico do Facebook e do Google, é considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Jaron participou do documentário O Dilema das Redes, na Netflix.

O superintendente regional do Sebrae, Valdir Oliveira, tem se interessado bastante pelo assunto e acredita que há lições para o setor produtivo.

O que Brittany Kaiser, contratada como diretora de negócios da Cambridge Analytica, pode ajudar na compreensão do mundo hoje?

Na transformação, no efeito da manipulação na vida das pessoas. Essa atuação da Cambridge Analytica transformou as pessoas em produto. Ela trouxe um novo conceito de marketing, onde o objetivo é a mudança no comportamento das pessoas para que elas possam consumir o que se está vendendo, independente de ser útil ou não, de ser bom ou não, da necessidade ou não. Precisamos fazer uma reflexão dos limites éticos dessa manipulação das pessoas.

Estamos orientando nossos empreendedores a fazerem a sua transformação digital. Precisamos também estimula-los a uma reflexão dos limites éticos que eles precisam observar para que não criemos monstros com inteligência artificial que nos transformem em robôs a serviço deles.

Não podemos permitir que a inteligência artificial se sobreponha à inteligência humana. Não podemos permitir que a humanidade se destrua pela ignorância e fique a serviço de interesses pontuais.

A Brittany Kaiser se tornou uma ativista na defesa da privacidade das pessoas, na proteção de seus dados, porque ela sabe as terríveis consequências da sua atuação na Cambridge Analytica, que transformou o sentimento das pessoas em ódio e destruição.

A Brittany Kaiser se transformou na resistência à manipulação devido à consciência de seus próprios erros e à ação das autoridades contra o crime cometido.

Você tem se interessado muito pelo tema. O que o impressiona na manipulação de dados e invasão da privacidade?

No que nos transformam, no que nos tornamos após sermos manipulados. Na capacidade da inteligência artificial de definir a nossa própria vida, nossos desejos e nossa tomada de decisão.

A atuação com Big Data tem o poder de tirar as pessoas da zona de conforto, da letargia frente à insatisfação e transformá-las em um exército que não sabe ao certo os motivos da guerra, mas que está disposto a vencê-la a qualquer custo.

A inteligência artificial está destruindo a inteligência humana e precisamos refletir sobre isso.

Os instrumentos utilizados nessa manipulação são perversos porque usam do seu próprio perfil para mudar o seu comportamento, sem que você perceba. E quando menos se espera, você está a serviço de uma guerra onde o seu objetivo principal pode ser destruir a si.

O maior ativo da humanidade é a sua liberdade. E o trabalho do Big Data com inteligência artificial retira sua liberdade de escolha e lhe põe a serviço de outros.

A manipulação e a invasão da privacidade são uma afronta à liberdade individual, que é uma cláusula pétrea da vida das pessoas. Precisamos dar um basta nisso para salvarmos o futuro das próximas gerações.

Qual é o maior perigo da manipulação de dados da internet na política e no mercado?

Escolhermos o que não queremos, a decisão de consumo diferente da sua real necessidade, do seu desejo.

Quando somos alvo de manipulação, mudamos nosso comportamento e somos induzidos a termos o desejo que interessa a quem nos manipula e não do que de fato queremos ou precisamos.

Isso serve para o mercado e serve para a política. Até que ponto é ético influenciar na sua decisão de consumo, seja no mercado ou na política, para o único propósito de interesses que não são seus?

Até que ponto é ético despertar o medo para ter como resposta a decisão de consumo que interessa ao manipulador e não aos seus desejos?

Até que ponto é ético invadir a sua privacidade sem o seu consentimento para lhe usar para o propósito do manipulador? O maior perigo da manipulação é lhe transformar em robô na defesa do interesse alheio.

O perigo que corremos é a criação de uma sociedade desprovida de vontade própria, que não defenderá mais suas próprias ideias, um exército de robotizáveis a serviço do interesse de poucos.

Aqui no Brasil, desde nossa descoberta, lutamos por independência. Entretanto, se permitirmos o trabalho do Big Data e da inteligência artificial sem freios e contrapesos, nos tornaremos novamente colônia de um império que servirá ao enriquecimento de poucos.

O presidente Bolsonaro e seus seguidores são frequentemente acusados de propagar fake news. Como o mundo vê isso?

Fake news é reprovada no mundo todo. Esse é o maior instrumento para enganar o povo nesse mundo pós-moderno.

Abominável pela mentira e pela crueldade dos interesses. As fake news são instrumentos de destruição da formação e liberdade de opinião. É uma arma poderosa para o processo de manipulação e formação de um exército que tem como objetivo destruir e não construir.

Nada que se baseie em destruição, seja de pessoas ou de ideias, pode ser positivo para uma sociedade. Fake news não podem ser consideradas liberdade de expressão.

Ao contrário, é a mais cruel das destruições, dos ataques, porque não dá o direito do contraditório, esconde-se no anonimato, na posição apócrifa de quem quer destruir a honra e a vida de pessoas e empresas.

Condeno essas ações e as considero mortais para uma democracia. Não existe povo saudável se a alma é doente, e as fake news adoecem a alma.

Se Joe Biden confirmar vitória será ruim para o Brasil?

Espero que qualquer que seja o presidente americano eleito desenvolva a relação pacífica com o Brasil, no melhor interesse republicano e pautado na ética e no respeito à soberania brasileira.

O interesse brasileiro não pode depender da escolha dos líderes de outros países. O próximo presidente americano, seja quem for, de que linha ideológica for, vai sempre defender o interesse de seu próprio país e o presidente brasileiro deve primar pelos nossos.

O importante é que o presidente americano eleito represente toda a sua população para que possa ter credibilidade na defesa de sua nação.

As eleições americanas despertaram intenso interesse, pois refletem o sentimento do que estamos vivendo atualmente, onde o adversário se tornou inimigo e o ódio e a destruição são as armas de convencimento.


Com o que o setor produtivo pode aprender com a Cambridge Analytica?

Que a manipulação e a invasão da privacidade, sem o consentimento do consumidor, podem ser tão maléficas e corruptas quanto o desvio de dinheiro público em contratações e parcerias do público com o privado.

Ana Maria Campos

Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.

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