Texto de Ana Maria Campos publicado neste domingo (1°/6) — “À Queima-Roupa” com Ana Elisa Almeida, presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV):
Em documento publicado no Diário Oficial da União, o Ministério da Educação estabeleceu regras para cursos presenciais e proibiu aulas a distância para estudantes de medicina. Como é no caso de medicina veterinária?
O Decreto 12.456 não incluiu o curso de medicina veterinária na modalidade exclusivamente presencial como outros cursos da área da saúde (medicina, odontologia, enfermagem e psicologia). Pelas novas regras estabelecidas mesmo o curso presencial pode ter até 30% da carga horária total em atividades à distância (exceto medicinq que precisa ser 100% presencial). Ato contínuo o Ministério da Educação publicou a Portaria MEC Nº 378, onde permite que cursos de medicina veterinária sejam ofertados na modalidade semipresencial que permite que apenas 40% do curso seja realizado em atividades presenciais, ou seja, a regra nova ficou exatamente como os cursos EaD atuais, possibilitando um ensino predominantemente à distância, sem a garantia das práticas necessárias para uma boa formação profissional. Ou seja, existe uma discrepância gigante onde é vedada a introdução de carga horária a distância para a formação do médico e permitido que mais da metade do curso de medicina veterinária seja feita de forma virtual.
Como um médico-veterinário pode avaliar a saúde de um animal à distância? Esse tipo de atendimento existe no Brasil?
Em alguns casos até é possível realizar atendimento por meio de telemedicina, com limites estabelecidos na Resolução CFMV 1465/22, sendo que para realizar uma consulta a distância é obrigatório que exista uma relação presencial prévia com o animal e seu responsável. Ainda assim, atendimento presencial é considerado padrão-ouro para a prática dos atos médico-veterinários, sendo dever do profissional informar ao responsável pelo paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina veterinária, inclusive sobre sua impossibilidade, se for o caso.
Acha que a medicina veterinária é relegada a segundo plano na saúde pública?
Apesar dos esforços de alguns segmentos do Ministério da Saúde, que já reconhecem a medicina veterinária como fundamental para o conceito de Uma Só Saúde, ainda se percebe muito desconhecimento por parte de gestores públicos e da sociedade. A figura do médico-veterinário está presente no e-Multi, mas há algumas diferenças de permissão de acesso em relação a outros profissionais de saúde, o que prejudica na oferta de saúde universal e integral, que são os fundamentos do SUS. A saúde única reconhece que é necessária a abordagem integrada que promove a interconexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. A sociedade e os gestores ainda não conhecem o impacto da atuação do médico-veterinário na prevenção e contenção de surtos de doenças infecciosas, na qualidade e confiança dos alimentos consumidos e o quanto essa atuação pode economizar aos cofres públicos. Se soubessem, certamente haveria mais destaque e mais atenção à formação desse profissional.
Qual é o nível dos cursos de medicina veterinária hoje no Brasil? Poderia fazer um diagnóstico?
Infelizmente, assim como em outras profissões, o Brasil é recordista mundial na quantidade de cursos. Em 2015, havia cerca de 200 cursos no país, e agora em 2025, há quase 600. Há mais de 87 mil vagas autorizadas pelo MEC na modalidade presencial e havia quase a metade dessa quantidade na modalidade EaD (que precisarão apenas mudar 30% de seu planejamento pedagógico para funcionar).
Muitas dessas instituições não possuem o mínimo de infraestrutura e docentes capacitados para a formação de novos profissionais. Portanto, hoje o cenário é bastante heterogêneo, e o nível dos cursos pode variar entre precário e excelente, a depender da Instituição e da região avaliadas. É importante ressaltar que o CFMV se pronuncia contrário à abertura de novos cursos que não cumprem requisitos, por meio de instrumento de avaliação no qual detalha as categorias pormenorizadamente analisadas. O CFMV promove ainda eventos anuais para congregar coordenadores e demais docentes dos cursos, buscando melhorar a qualidade da formação no País.
O que precisa ser feito para melhorar?
É necessária uma política educacional que contemple a qualidade de formação visando o bom atendimento à sociedade. Os cursos com notas 1 e 2 no Enade precisam ser fechados, os cursos com desempenho insuficiente em quesitos passíveis de correção, como infraestrutura e qualificação docente, precisam realmente se comprometer com as adequações e, principalmente, é necessário haver a suspensão da abertura de novos cursos de medicina veterinária. Outro fator importante, é que sejam cumpridas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) que reafirmam que o médico-veterinário deve ser formado no contexto da Saúde Única e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), buscando essa formação integrada, generalista, humanista, crítica e reflexiva.
Como o Conselho Federal de Medicina Veterinária tem atuado para melhorar a qualidade dos cursos?
O CFMV, por meio de sua Comissão Nacional de Educação em Medicina Veterinária, fez um diagnóstico detalhado sobre o perfil dos cursos de Medicina Veterinária no Brasil e, agora, está finalizando a proposta de um programa de acreditação dos cursos existentes. Há, ainda, a proposta de implantação de um exame de proficiência para os graduandos, voluntário ou obrigatório. O CFMV tem sido incansável na busca de agendas com o MEC e apoios parlamentares, manifestando-se contra PLs que contribuem para a precarização do ensino e da formação profissional, bem como auxiliando na construção de iniciativas que visam a conter e corrigir os danos das últimas décadas. O CFMV mantém ainda seus canais de comunicação como uma fonte de conhecimento para a Sociedade, instruindo sobre a atuação profissional adequada, sobre suas ações e conclamando a sociedade a apoiar a busca pela formação do profissional que ela merece ter.

