Entrevista
Wellington Saraiva
Procurador regional da República, coordenador da assessoria de constitucionalidade da Procuradoria-geral da República
O senhor tem dito que a PEC 412, que dá autonomia à Polícia Federal, tem sido vendida como uma boa medida, mas na verdade não seria. Por quê?
A PEC 412 não é adequada para o Brasil porque pretende algo incompatível com a democracia: dar autonomia ampla à Polícia Federal. Polícia é órgão armado. Seus membros portam armas permanentemente como ferramenta de trabalho. Órgão armado não pode ter autonomia, pois precisa estar subordinado ao poder civil eleito pelo povo. Se a Polícia Federal conquistar essa autonomia, por que as Polícias Civis e Militares de todo o país também não teriam direito a reivindicar autonomia? Por que a Polícia Federal teria direito a tratamento privilegiado em relação às demais polícias? Por que não também as Forças Armadas? Não faria sentido. A sociedade brasileira quer que seus órgãos armados tenham autonomia ampla? Por que áreas importantes como as de saúde e educação também não teriam direito a autonomia? A área de segurança pública é mais importante do que a da saúde? Se todos os órgãos relevantes tiverem autonomia, o que sobrará para os gestores eleitos pelo povo governar?
De que forma a proposta atrapalharia o trabalho do Ministério Público?
Sob alegação de autonomia e de uma inexistente independência funcional, frequentemente ocorrem casos em que delegados criam obstáculos a requisições feitas pelo Ministério Público em investigações. Se propostas como a PEC 412 forem aprovadas, essas resistências tenderão a aumentar drasticamente e poderá ressurgir a tese de que o Ministério Público não tem competência para realizar diretamente investigações criminais. Algum tempo atrás, a Polícia Federal e um grupo de secretários de segurança pública resolveram baixar atos com a finalidade de delimitar a quais documentos da polícia o Ministério Público poderia ter acesso, ao realizar o controle externo que a Constituição da República atribui ao MP. Veja o disparate: o órgão controlado pretendeu definir os limites do órgão controlador.
A Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) defende que uma Polícia Federal independente pode ser mais forte e trabalhar melhor. Investigações não seriam contaminadas por interesses políticos e delegados teriam possibilidade de apurar crimes contra a administração pública sem risco de interferência. O que acha disso?
A Polícia Federal já atua com independência e produz ótimas investigações, o que mostra a desnecessidade de aprovar a PEC. No caso das demais polícias, de fato ocorrem interferências indevidas do poder político, em algumas situações. Cabe aos policiais e a seus órgãos de representação comunicar essas interferências indevidas ao Ministério Público, para que os autores delas sejam responsabilizados em ações por improbidade administrativa e em ações penais.
A votação da PEC 412 vai mobilizar o Ministério Público, como ocorreu com a PEC 37?
Não posso fazer essa previsão, mas, certamente, membros do Ministério Público e suas entidades representativas tentarão mostrar à sociedade e ao Congresso Nacional os riscos e inconvenientes dessa PEC, como já vêm fazendo.
Essa é mais uma guerra entre MP e PF?
Não há nenhuma “guerra” entre Ministério Público e Polícia Federal. Ambos os órgãos trabalham em conjunto todos os dias, Brasil afora. Algumas divergências são normais em qualquer relacionamento, pessoal ou institucional. O Ministério Público deseja que a polícia seja respeitada, eficiente e valorizada e que respeite os cidadãos, motivo de sua existência.
Qual é a sua opinião sobre o ministro da Justiça nomear o diretor-geral da Polícia Federal por meio de lista tríplice, com mandato de três anos, como defende a classe?
Não tenho conhecimento de proposta de lista tríplice de toda a classe dos policiais federais. Ao que sei, essa ideia é apenas da associação dos delegados da Polícia Federal, que constituem uma pequena fração de todos os policiais federais.