O legado do ministro Barroso, aos olhos de Joao Carlos Souto, diretor-geral da Escola Superior da AGU

Publicado em CB.Poder

ANA MARIA CAMPOS

ENTREVISTA: João Carlos Souto, diretor-geral da escola superior da AGU, professor de direito constitucional, mestre e doutor em direito público, procurador da Fazenda Nacional, ex-secretário de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federa

“É comum, no convívio, quase que todos os dias da semana, tratando de temas candentes, temas importantes, temas polêmicos, a divergência entre um e outro ministro e, eventualmente, algum ponto um pouco fora da curva. Isso acontece, mas eu acho que isso é passado. Ele e o ministro Gilmar se reconciliaram e ambos têm uma uma contribuição enorme à sociedade brasileira, à manutenção da democracia, cada um a seu modo e a seu tempo”

 

Acha que, fora do STF, o ministro Luis Roberto Barroso poderá ter de volta o visto para ingressar nos Estados Unidos?

Me parece que o mais sensato é que todos recuperem, porque evidentemente não faz sentido punir membros de uma alta corte por força de posições adotadas do exercício da judicatura.

 

Na sua opinião, qual o principal legado do ministro Barroso no STF? Pode citar alguma decisão ou manifestação que tenha marcado os 12 anos de magistratura do ministro Barroso?

O Barroso é um intelectual, um homem multifacetado, um professor de renome, adorado por seus alunos, na UERJ, na Harvard School of Government, com passagem no Max Planck, em Heidelberg, onde eu também estive, não como professor, como pesquisador. É um palestrante encantador, de muitos recursos, e que consegue palestrar com a mesma qualidade em português, inglês e espanhol. E eu digo isso com muita tranquilidade, porque já o assisti, já participei de palestras com ele nesses três idiomas, em outubro de 2024, na em São Francisco, na Califórnia, em junho de 2025, na Universidade Complutense, em Madri falando em espanhol, de modo que é um homem de muita qualidade, um autor também com uma contribuição importante à literatura jurídica brasileira, e foi um advogado de grandes causas, de grande impacto social, de defesa das uniões homoafetivas, primeira grande decisão nesse sentido, teve ele como advogado, na afirmação da constitucionalidade das cotas raciais, suspensão de despejos de vulneráveis durante a pandemia, aí já como ministro. Tem uma ADPF também que fala a questão do meio ambiente, que faz um link entre direitos humanos e o enfrentamento à crise climática. Então, é um homem que merece todo o nosso respeito, que tem uma contribuição muito grande. Como presidente do STF, eu lembro muito bem de um programa que ele inseriu no CNJ, do Conselho Nacional de Justiça, um programa de ação afirmativa para negros e indígenas no ingresso na magistratura. O concurso nacional para a magistratura foi uma medida extremamente importante, a promoção por mérito alternada entre homens e mulheres nos tribunais e o projeto para transformar o STF na primeira corte carbono zero do mundo, com geração própria de energia, solar e compensações também climáticas. Então, são esses os destaques que eu faço com relação à brilhante passagem do ministro Barroso no STF.

 

O ministro Barroso, em alguns momentos, teve embates com colegas no plenário, como ocorreu, por exemplo, com o ministro Gilmar Mendes. Mas a presidência dele foi marcada por um clima de união no STF. A que se deve isso?

Está respondido no discurso de despedida. É comum, no convívio, quase que todos os dias da semana, tratando de temas candentes, temas importantes, temas polêmicos, a divergência entre um e outro ministro e, eventualmente, algum ponto um pouco fora da curva. Isso acontece, mas eu acho que isso é passado. Ele e o ministro Gilmar se reconciliaram e ambos têm uma contribuição muito importante para o Brasil. Ambos, eu quero muito ressaltar isso, os dois ministros têm uma contribuição enorme à sociedade brasileira, à manutenção da democracia, cada um a seu modo e a seu tempo. E atuaram juntos, votando conjuntamente, votando no mesmo sentido, em várias causas. Então, isso é algo superado e é uma gota d’água num oceano de convergência entre os dois.

 

Quem, na sua opinião, são os principais cotados para suceder Barroso?

Com relação a cotados para suceder o ministro Barroso, a imprensa, vocês, a imprensa noticia alguns nomes. Eu tenho proximidade com o ministro (Jorge) Messias, mas ele não fala no assunto em nenhum momento, deixando bem claro que isso é uma escolha do presidente da República. É claro que os nomes que estão aí são nomes importantes. O ministro Messias tem uma trajetória singular também, importante na advocacia pública, exerceu dois cargos importantes, concursados. Procurador do Banco Central do Brasil e Procurador da Fazenda Nacional, que é a carreira a qual eu pertenço. Foi líder associativo, passou pela Casa Civil, na chefia da então Subchefia de Assuntos Jurídicos, que hoje é uma secretaria, que é um órgão de extrema importância. Então, são nomes que estão postos e que têm todas as condições. Agora, quer me parecer que esses nomes que estão aí são os que se apresentam com mais condições. Mas eu falei mais do Messias porque eu o conheço e sei da qualidade do trabalho dele. É um homem que pensa o Brasil, é um homem que tem uma visão de Estado e uma visão do direito, ambas modernas e abrangentes. Fez uma revolução na AGU com a ideia de conciliação para facilitar a tomada de decisão, para que os processos não se eternizem. Isso beneficia todo mundo. Eu destaco aqui o Acordo de Mariana, que foi em grande parte liderado pela AGU. A AGU teve um papel relevantíssimo no Acordo de Mariana, daquele desastre ecológico que todo mundo conhece.