HELENA MADER
ANA MARIA CAMPOS
BRUNA LIMA
Preso há quase 3 anos por envolvimento em um escândalo de desvio de recursos públicos, o ex-senador Luiz Estevão virou réu novamente por corrupção. Ele é acusado de oferecer vantagens indevidas a carcereiros, em troca de regalias na Papuda. Segundo o Ministério Público do Distrito Federal, que denunciou Estevão e quatro agentes penitenciários, o empresário ofereceu terreno, emprego e matérias jornalísticas em seu site de notícias, para conseguir benesses no sistema penitenciário.
Como resultado da barganha, ele recebia documentos livremente em sua cela, além de itens proibidos na Papuda, que chegavam em envelopes sem conferência prévia. O senador cassado cumpre pena de 26 anos de cadeia pelos crimes de corrupção ativa, estelionato e peculato. Se condenado nesse processo, pode acrescentar até 12 anos em sua ficha corrida. A nova denúncia contra Luiz Estevão foi veiculada na manhã desta quarta-feira (30/01), pela TV Brasília/Rede TV.
A investigação que levou à ação penal foi conduzida pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes Contra a Administração Pública e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (Cecor), da Polícia Civil. Após o indiciamento dos acusados, o caso chegou ao Ministério Público do DF, que denunciou o empresário e os servidores públicos. O documento é assinado por cinco promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), e do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri).
No último dia 9, o juiz Carlos Alberto Silva, da Vara Criminal e Tribunal do Júri de São Sebastião, recebeu a denúncia e abriu prazo para apresentação da defesa dos réus.A ação penal tramita em sigilo. Na semana passada, a vara enviou ofício ao subsecretário do Sistema Penitenciário, Adval Cardoso de Matos, pedindo a citação dos acusados.
A denúncia tem como alvo, além de Estevão, os agentes penitenciários Fernando Alves da Silva, Rogério Serrano dos Santos, Diogo Ernesto de Jesus e Vítor Espíndola Sales de Souza. A investigação envolveu interceptação telefônica e o cumprimento de mandados de busca e apreensão, além de delação premiada de um dos carcereiros denunciados. Ao menos entre fevereiro e agosto de 2016, em datas diversas, o ex-senador ofereceu vantagens indevidas a Fernando Alves e Rogério Serrano para obter regalias na cadeia. Segundo a denúncia, os agentes Diogo Ernesto e Vítor Espíndola, à época diretor e vice-diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP), praticaram prevaricação ao “retardarem ou deixarem de praticar, indevidamente, atos de ofício, para que fossem garantidos benefícios ilegais em favor de Luiz Estevão”.
“Constatou-se que o denunciado Luiz Estevão de Oliveira Neto manteve o controle de seus negócios do interior do sistema prisional, passando a receber grandes volumes de documentos e incontáveis visitas de seus advogados, o que, conforme apurado, também ocorria fora dos horários de expediente e, em diversas oportunidades, sem as necessárias verificações de segurança, oportunizando a entrada de itens não permitidos, entregues em envelopes de correspondência ou entre documentos dirigidos ao empresário”, diz um trecho da denúncia do Ministério Público.
Ainda segundo a denúncia, as regalias incluíam visitas diferenciadas. A interlocução privilegiada com os servidores deu a Estevão poder de articulação dentro do sistema penitenciário: presos procuravam o empresário para pedir ajuda em casos particulares. “Tais contatos e a flexibilização das rígidas rotinas carcerárias facilitaram o desvirtuamento do exercício funcional de servidores que vislumbraram no denunciado Luiz Estevão de Oliveira Neto a oportunidade de obter algum benefício”.
Uma das vantagens indevidas foi concedida pelo empresário ao agente penitenciário Fernando Alves da Silva, que recebeu a cessão dos direitos de um imóvel pertencente a Estevão. O documento repassando a posse do lote ao carcereiro é assinado pelo próprio ex-senador. A denúncia traz documentos relativos ao terreno entregue pelo empresário ao agente penitenciário. Trata-se de um lote de 18 hectares em Valparaíso, de propriedade do Grupo Ok Construções e Incorporações.
Outra vantagem ao servidor foi a contratação de uma irmã de Fernando Alves pelo portal Metrópoles, comandado por Estevão, a pedido do carcereiro. A intermediação foi confirmada pela jornalista, em depoimento. Logo depois da contratação da irmã, o agente carcerário permitiu que uma advogada do empresário entrasse no presídio com um envelope livre de conferência. “Por curiosidade, abriu o envelope e viu que havia chocolates e outros itens, além de documentos”, afirma a denúncia do MP. Os carcereiros teriam colocado o material por baixo da camisa, para não serem flagrados pelas câmeras.
No processo, há depoimentos de outros servidores da Papuda, como auxiliares de chefe de pátio e cantineiros. Eles relataram aos investigadores que Luiz Estevão recebia muitas visitas de advogados, “que levavam documentos para ele resolver coisas das empresas” e que o empresário “tinha um escritório” para despachar temas de seu interesse.
Outra vantagem indevida apontada pelo Ministério Público na denúncia foram publicações de matérias no Portal Metrópoles para beneficiar o agente Rogério Serrano. Ele teria pedido a Luiz Estevão que o site do empresário publicasse reportagens sobre suas atividades como criador de pássaro. As matérias, já retiradas do ar pelo portal de Estevão, foram anexadas à denúncia. Em troca, o servidor da Papuda facilitou a entrada de envelopes destinados ao senador cassado fora do horário de expediente e livre da conferência de conteúdo.
Carcereiros fixos
A denúncia do Ministério Público aponta que, contrariando a determinação de rotatividade dos servidores, a direção do CDP estabeleceu Rogério Serrano e Fernando Alves da Silva como carcereiros fixos de Luiz Estevão. Fernando fez delação premiada no âmbito da ação penal e, em depoimentos, contou que Rogério Serrano sugeriu que ambos tirassem proveito do fato de serem os únicos responsáveis pela guarda da cela do empresário.
Um desses benefícios foi oferecido pelo próprio Luiz Estevão. “O denunciado Rogério Serrano é criador de pássaros curiós e, no interesse de tal atividade privada, obteve, nas datas de 13 e 15 de fevereiro de 2016, cobertura pelo portal Metrópoles, pertencente aos filhos do denunciado Luiz Estevão de Oliveira Neto, de evento que reuniu no Distrito Federal criadores de diversos estados”, diz um trecho da denúncia do MP. “As matérias jornalísticas, além de destacarem a criação de pássaros, contou, em sua primeira publicação, com destacada entrevista do denunciado Rogério Serrano dos Santos, e fotografias das aves registradas em sua residência, promovendo-lhe no meio”, acrescenta o texto da acusação.
A informação foi confirmada em depoimento do agente Fernando Alves da Silva. Ele declarou “que ficou sabendo, em conversa com o agente Serrano, que o jornal Metrópoles, a pedido de Luiz Estevão, cobriu um evento de pássaros em que Serrano fazia parte da organização, e também lhe confessou que ficou nacionalmente conhecido por causa do evento”. Serrano declarou a Fernando que “Luiz Estevão patrocinou outra reportagem, com publicação da criação de aves do próprio Serrano”. O agente penitenciário criador de pássaro relatou ter ido à casa de Luiz Estevão, no Lago Sul, orientar o caseiro da mansão a respeito de criação de aves.
A respeito dos diretores do CDP denunciados por prevaricação, o MP afirma que Diogo Ernesto de Jesus “tomou conhecimento, em diversas oportunidades, de fatos irregulares que ocorriam nas dependências do CDP para beneficiar o denunciado Luiz Estevão de Oliveira Neto, ora consentindo, ora deixando de agir para evitar a perpetuação das regalias apontadas por seus subordinados”. Diogo e Vítor Espíndola contrariam a regra geral de alternância das equipes e determinaram a adoção de um grupo fixo para cuidar da vigilância de Estevão. A equipe era composta justamente pelos agentes Fernando Alves e Rogério Serrano.
Segundo a denúncia, Diogo Ernesto teria tomado conhecimento do fato de que Estevão fez a cessão dos direitos de um terreno ao agente Fernando Alves, sem tomar providências. “Do mesmo modo, foi encontrado na sala do adjunto do plantão da equipe 4 um envelope pardo contendo alimentos proibidos e bilhete com valores a serem depositados em favor de servidor da unidade”.
Segundo o MP, ao tomar conhecimento desses fatos, “Diogo Ernesto desconsiderou a adoção de providências formais que deveriam ser efetivadas diante da grave situação e deixou de registrar ocorrência policial e administrativa sobre o fato”.O Ministério Público aponta que os diretores do CDP prevaricaram e deixaram de dar andamento a procedimentos contra Luiz Estevão também por questões políticas. Diogo Ernesto e Vítor Espíndola foram os primeiros agentes penitenciários a chegar ao comando da unidade prisional.
O MP indica que eles “não queriam experimentar enfrentamentos com o denunciado Luiz Estevão de Oliveira Neto, cuja força política evidenciava-se não apenas pelo fato de ter sido o responsável pela construção do bloco prisional que habitava, como pelas visitas de políticos e pelas reuniões mantidas com o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários, responsável pela indicação dos ocupantes da direção do CDP”. Outro objetivo dos agentes acusados, segundo o MP, seria angariar recursos e apoio político para uma eventual candidatura de Leandro Allan Vieira, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Distrito Federal, a um cargo eletivo
Inquérito
O inquérito foi aberto em 2017, para apurar a atuação de uma suposta organização criminosa no interior do sistema prisional do DF. A investigação começou a partir de uma denúncia anônima encaminhada à Vara de Execuções Penais sobre regalias concedidas a presos ilustres na Papuda. Em janeiro de 2017, a partir desses relatos, o então coordenador-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário, Guilherme Henrique Nogueira, realizou diligências no Bloco 5 da Papuda, quando foram encontrados alimentos proibidos na cela de Estevão.
Foram apreendidos chocolates, salmão defumado, pacotes de frios, máquina e inúmeras cápsulas de café, além de um pacote de macarrão e de um caderno do ex-senador. Entre as anotações estavam informações pessoais de servidores da carceragem. Na ocasião, Estevão reconheceu ser dono dos produtos e garantiu que a entrada havia sido autorizada pelo então vice-diretor, Vítor Espíndola.
Por conta desse episódio, o ex-senador sofreu processo administrativo e recebeu punições, como o isolamento temporário na solitária. “Contudo, em mais de uma demonstração de tratamento diferenciado, diversas foram as intercessões do diretor e do vice-diretor da unidade penitenciária, os denunciados Diogo Ernesto de Jesus e Vítor Espíndola Sales de Souza, junto ao subsecretário do Sistema Prisional, com o intuito de evitar a movimentação do preso, mantendo-o em sua própria cela”, diz a denúncia. De acordo com o MP, Diogo e Ernesto decidiram se encarregar da gestão do Bloco 5, restringindo a atuação dos gerentes de segurança e vigilância no espaço, evitando ingerência na rotina e fiscalização do espaço, onde eram realizadas revistas e procedimentos de conferência nas celas.
Outro lado
O advogado de Luiz Estevão, Marcelo Bessa, disse que o ex-senador nega “veementemente qualquer ato ilícito ou participação em esquemas que envolvam qualquer ilicitude”. A defesa do agente penitenciário Fernando Alves, que fez delação premiada, informou que o servidor “tem colaborado com a apuração dos fatos desde a fase inquisitorial e não mudará esse posicionamento até a efetiva resolução do caso”.
“No tocante às acusações acerca do suposto recebimento de vantagens em troca de regalias ao interno Luiz Estevão, informa que teve acesso à denúncia recentemente e se manifestará, oportunamente, nos autos do processo, ressaltando que nunca houve qualquer ilegalidade na atuação do servidor, tampouco contrapartida para as supostas benesses concedidas”, acrescenta a defesa de Fernando Alves. A reportagem não localizou a defesa dos outros réus.
O portal Metrópoles esclareceu que não é parte na ação penal e informou que a irmã do agente penitenciário Fernando Alves é funcionária do site desde agosto de 2016 e já publicou 9.069 matérias. “Trata-se de uma excelente profissional”, informou, em nota, o portal. Em relação à matéria referente a uma competição envolvendo curiós, que segundo o MP foi negociada pelo agente Rogério Serrano, o Metrópoles informou que “publica cerca de 180 post por dia sobre os mais variados assuntos”.
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