lavajato

Lava-Jato vai às urnas (cheia de dedos)

Publicado em CB.Poder

Leonardo Cavalcanti // No rastro das investigações contra a corrupção e da crise na segurança pública, integrantes de categorias ligadas a corporações policiais e aos militares turbinaram a participação nas campanhas eleitorais ao Congresso. Em média, houve um aumento de mais de 20% no número de candidatos dessa turma, o que, a partir de cenários para o Legislativo deve representar quase 10 nomes a mais de vitoriosos, se comparados com os de 2014, quando foram eleitos 25 parlamentares, incluindo PMs e delegados civis. Tal projeção, feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) a pedido do Correio, ao mesmo tempo que parece uma boa notícia para os grupos de servidores, entretanto, é vista com preocupação por parte de analistas, sindicalistas e oficiais.
A primeira questão é que, ao mesmo tempo que há uma expectativa de que parte dos eleitores procure nomes ligados à Polícia Federal e às Forças Armadas por causa da imagem dessas instituições, ao longo do tempo, pode ocorrer desgastes a partir da contaminação política. “As Forças Armadas vivem numa redoma, que garante a proteção da imagem. Ao sair dessa redoma em busca de votos, há um risco evidente, a médio prazo”, disse um integrante da cúpula do Ministério da Defesa, que preferiu não se identificar. Há quatro anos, dois militares da reserva conseguiram se eleger para a Câmara: Jair Bolsonaro (RJ), hoje candidato ao Planalto, e o Tenente Lúcio (MG). Na caserna, os voos em direção às urnas são vistos com desconfianças, apesar do apoio, principalmente dos militares mais jovens, ao capitão presidenciável do PSL.

 

São 54 candidatos do Exército a vagas na Câmara. “Muitos deles estimulados pelo debate da corrupção e da violência”, admite o servidor da Defesa, considerando a dificuldade de tiros mais longos por causa do freio dos partidos políticos em relação a caras novas, uma reclamação comum entre representantes de policiais. “A legislação eleitoral é construída pelos políticos que estão dentro e querem se manter no jogo sem abrir espaço para nomes de fora”, diz Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que também revela uma resistência da própria classe. “Eu mesmo nunca tive a pretensão de sair candidato e vejo isso como uma escolha pessoal, pois tem uma exposição.” Ao todo, 14 delegados disputam um cargo na Câmara — outros quatro tentam os legislativos estaduais.

 

Exposição

No caso dos policiais, há um segundo ponto. Até onde vai a isenção de um policial filiado a um partido político para, ao voltar ao trabalho de investigação depois de derrotado nas urnas, assumir uma apuração contra outra legenda? “Acreditamos que um delegado candidato, por levar o nome da PF e ter compromisso tácito com os colegas, carrega uma enorme responsabilidade, que vai funcionar como uma garantia”, antecipa-se Paiva. Nos bastidores das corporações, porém, o debate sobre a isenção de um policial candidato ao voltar ao trabalho é cada vez mais recorrente. As normas não preveem quarentena ou restrições para futuras lotações funcionais.

 

Em 13 de outubro de 2014, em meio à campanha presidencial de reeleição de Dilma Rousseff, o governo editou medida provisória que transformou o cargo de diretor-geral da Polícia Federal em função exclusiva de delegados de classe especial, o último nível da carreira. A MP, à época, foi vista como uma ação do Planalto para agradar aos delegados, que ameaçavam fazer uma paralisação. No dia seguinte, havia uma audiência pública marcada pelo deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR), delegado da PF, que acabou cancelada por falta de quórum. “O governo teve que editar uma MP, porque sabia que hoje ia ser uma pancadaria. Botamos o governo de joelho”, disse Francischini, segundo reportagem da Folha de S.Paulo do dia 14.

 

“Um parlamentar, que é delegado e diz ter conseguido colocar o ‘governo de joelho’, deixa exposto um lado. Ao voltar para o trabalho de policial, não vai ter condições de desenvolver as funções originais com isenção ao investigar um inimigo político”, afirma o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, ao falar de Francischini. Procurado pelo Correio, o deputado que, agora, deve disputar a eleição para a Assembleia Legislativa, rechaçou a crítica: “Antes de mais nada, eu sou um delegado da PF. Eu estou deputado federal. E se tiver que voltar para a PF, vou desempenhar meu trabalho com total profissionalismo, isenção e muito orgulho”.

Supremo

Principal apoiador de Bolsonaro no Paraná, Francischini afirma que “se tiver de investigar e prender políticos de partido A ou B não fará a menor diferença, porque a atividade de delegado é estritamente técnica”. E arremata: “O país espera varrer de uma vez por todas a corrupção. E farei isso tanto como delegado da PF como parlamentar”. A crítica de Boudens aos delegados candidatos, porém, parece não se aplicar à categoria que ele defende, formada por agentes, escrivães e papiloscopistas da Polícia Federal. A Fenapef estimula a participação dos filiados que, nesta eleição, apresentam 18 nomes para a Câmara e três para o Senado. “Os delegados têm o poder em apontar para alguém, tornando, no caso deles, a atividade incompatível com a de deputado.” Hoje, há dois representantes da categoria no Congresso, um deles Eduardo Bolsonaro, escrivão da PF e filho do presidenciável do PSL.

 

O debate chega agora na regra de proibição de licença para candidaturas, como ocorre com juízes e integrantes do Ministério Público. Nessas duas categorias, quem quiser se atirar do precipício em busca de votos é obrigado a abandonar a carreira — salvo raras exceções para quem já atuava na política antes do início dos anos 2000 ou entrou no MP antes da 1988. Para rever a regra, a Associação dos Procuradores da República (ANPR) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a proibição de que integrantes do MP exerçam atividade político-partidárias. “A ideia é reabrir o debate, considerando inclusive restrições, como quarentenas para quem quiser entrar na política, mas a proibição total não bate com o direito internacional”, afirma José Robalinho Cavalcanti, presidente da ANPR.

 

As desconfianças entre as atuações de cada uma das categorias se misturam com o próprio receio de eventuais desgastes para as corporações. “É algo delicado, e entendo as resistências. As pessoas tendem a tratar a política como algo sujo, e não deveria ser assim”, afirma Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF). A categoria apresenta cinco candidatos à Câmara. A expectativa é de que pelo menos um se eleja.

 

Para Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o grupo de policiais e de militares que disputam as eleições é amplo e diverso, inclusive ideologicamente. “Não dava para resumir todos à bancada da bala, é um erro.” Ou mesmo à turma da Lava-Jato. Mas ele considera arriscado o avanço do corporativismo na democracia. “Nesse processo de defesa de interesses próprios, um grupo silencioso, formado por quem está de fora dos debates, acaba prejudicado, sem representação”, diz Calmon. “Essa bancada (de policiais e militares) é formada por atores do Estado, não são atores de governo.”