Coluna Eixo Capital publicada no domingo 29 de junho, por Ana Maria Campos — Confira a entrevista com Kadu Niemeyer, neto de Oscar Niemeyer e responsável pelo escritório do arquiteto no Rio de Janeiro, reaberto depois de 11 anos fechado.
Quais são seus planos para a reabertura do escritório do seu avô, Oscar Niemeyer?
É com essa responsabilidade que estou me dedicando a alguns projetos. A maior empreitada será a construção dos 11 projetos inéditos dele na cidade de Maricá (RJ), são eles: Estádio João Saldanha, Espaço Ballet, Centro Administrativo de Maricá, Museu de Arte, Centro de Convenções, Teatro Municipal, Quiosque da Orla, Centro Cultural Pomba da Paz e Museu das Utopias e Museu João Goulart. E esse desafio muito nos entusiasma porque essas obras vão atrair turistas do Brasil e do exterior para a cidade, vai gerar emprego e renda e movimentar a economia não só do município de Maricá mas de toda região. Esse início de trabalho tem absorvido muito nosso tempo e dedicação. São muitos detalhes técnicos a serem acertados, escolhas de terrenos, reuniões com a equipe da prefeitura. O que eu acho especial é que Oscar tinha fortes ligações afetivas com Maricá por causa de seu avô paterno, que morou nessa cidade, e era a terra natal de seu pai, Manuel Ribeiro de Almeida, que tinha fazenda lá. O próprio Niemeyer era proprietário da centenária fazenda “Bananal”, que existe até hoje, e que estou também me dedicando ao projeto de fazer dela um museu com objetos pessoais e obras dele. É o sonho da minha vida. O escritório também foi procurado pelo prefeito da cidade de Paracambi (RJ), Andrezinho Ceciliano, que nos solicitou um estudo técnico para a construção de um equipamento cultural que reúna teatro e biblioteca na cidade, ambas inexistentes lá. Posso afirmar que meu compromisso é também manter viva a essência criativa e o legado humanitário de Oscar Niemeyer.
Há algum trabalho em Brasília?
Sendo o retorno das atividades do escritório ainda muito recente, não temos nenhum trabalho confirmado em Brasília. Tenho sido procurado para conversas, nos chegaram algumas solicitações de consultoria, interessados em saber informações sobre a reabertura do escritório, mas nada confirmado e é precipitado falar nesse momento.
Há projetos em Brasília de Niemeyer prontos e nunca executados , como a Praça do Povo e o Sambódromo. Acredita que ainda serão construídos?
Brasília tem vários projetos de Oscar Niemeyer que não saíram do papel, não só esses citados. Acredito que alguns deles serão realizados, mas isso leva tempo. Estamos trabalhando para que se concretize.
Você morou em Brasília. Como vê a cidade? Acha que é bem cuidada?
Tenho uma forte ligação com Brasília, ela permeia toda a minha história e da minha família. Foi em 1957 que o presidente Juscelino Kubitschek procurou meu avô Niemeyer na Casa das Canoas, uma joia da arquitetura, localizada em São Conrado, no Rio, onde morávamos. Queria construir Brasília, e como ocorreu com a Pampulha, em Belo Horizonte (MG) na década de 1940, desejava a colaboração do meu avô. JK lhe disse que pretendia criar uma capital moderna, “a mais bela do mundo”. Eu tinha seis anos quando minha família saiu do Rio e fomos morar em Brasília, na recém-inaugurada capital, neste ano completou completou 65 anos. Veja como o tempo passa rápido. A minha lembrança mais forte é do céu de Brasília que impactava os meus olhos de menino. Eu ficava vidrado, magnetizado. Aquela terra vermelha, o cheiro também me impressionavam e as obras sendo tocadas por toda parte. Acho que Brasília, embora com todos os problemas comuns ao de uma cidade de seu porte, continua linda e pujante.
Os monumentos estão preservados?
Tenho ido muito a Brasília, mas sempre correndo, em um bate volta pois resido no Rio, e são muitas reuniões em lugares fechados, portanto não tenho circulado pela cidade para analisar a situação dos monumentos. Vez ou outra, chegam reclamações no escritório, mas é preciso checar. Mas tenho planos, de tão logo possível, fazer uma visita pelos monumentos da cidade, produzir um levantamento e quem sabe assim poder contribuir de alguma forma.
Qual a obra de Niemeyer em Brasília que você mais aprecia?
Tenho uma admiração especial pelas pilastras do Palácio do Itamaraty. Tem algo nelas que me fascinam. Eu acho esse projeto maravilhoso entre tantos outros belíssimos, mas é o meu preferido. E tem a Casa de Chá, projetada por Niemeyer e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) que após quase duas décadas fechada, acaba de ser reinaugurada e fiquei muito contente pois assim vai resgatar a paisagem da Praça dos Três Poderes e será um ponto de encontro dos brasilienses e dos turistas do Brasil e do mundo.
Como viu os ataques à Praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro?
Sofri duplamente como brasileiro e como neto de Oscar Niemeyer quando vi aqueles vândalos se autointitulando “patriotas” depredarem o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), projetados por ele. Fiquei revoltado com as imagens de terror gravadas pelos criminosos e postadas nas redes sociais, chocando o país. Fui tomado por um sentimento de revolta, e ao mesmo tempo, senti alívio por ele não estar mais aqui para ver esse brutal ataque a suas obras-primas, ao patrimônio público. Naquele momento, fiz o juramento de levar adiante o seu legado, principalmente, e seus ideais humanitários. Ele se indignava ao ver a “pobreza se multiplicar” e dizia que a arquitetura é injusta, “só servindo aos poderosos”. Fico imaginando o que diria meu avô Niemeyer ao assistir as imagens dos vândalos depredando as obras que ele projetou com tanto entusiasmo e amor ao Brasil. Ele ficaria indignado. Sem anistia para esses criminosos.