Hélio Telho, Procurador da República, dispara contra a PEC 05: “sentença de morte”

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À queima-roupa // Hélio Telho, Procurador da República

Por Ana Maria Campos

O senhor criou uma analogia que pegou nas redes sociais. A de que a PEC 05/21 colocou o Ministério Público no corredor da morte. O que vai causar a morte do MP?
A PEC 5, como um todo, é uma sentença de morte para o Ministério Público como o conhecemos. Ela altera a composição do CNMP, aumentando fortemente a influência política nele, além de ampliar as suas atribuições, que passam a invadir e a se sobrepor à esfera de atuação funcional dos promotores e procuradores. Na prática, a autonomia do Ministério Público e a independência de seus membros deixa de existir e a atuação do órgão, que tem como função constitucional a defesa do regime democrático, das leis e dos interesses difusos e coletivos (como o meio ambiente, o patrimônio público, os direitos do consumidor, das minorias, de acesso à educação e a saúde públicas, além do combate ao crime, inclusive do colarinho branco), passa a se sujeitar a interesses políticos e econômicos inconfessáveis.

Qual é o ponto mais preocupante para quem atua no combate à corrupção?
Não há um ponto específico, mas um conjunto de mudanças que, aliadas umas às outras, enterra a atuação do Ministério Público contra a chamada grande corrupção ou a corrupção institucionalizada. A redação proposta pelo relator apresenta uma fórmula esdrúxula e teratológica, porque desloca a discussão sobre uma ação ou uma investigação promovida pelo membro do MP (que hoje ocorre no âmbito do processo judicial) para dentro do processo disciplinar, além de inverter as posições (o infrator da lei passará a ser o acusador e o membro do MP ocupará a posição de acusado, assim, como num passe de mágica). Some-se a isto a escolha política do corregedor e o aumento do número de membros indicados por interesses políticos e temos a receita perfeita do caos. É preciso que isso seja dito, porque é disso que se trata.

Por que a PEC chamada de PEC da Vingança atinge o trabalho do MP em áreas como combate à criminalidade, defesa do meio ambiente, da saúde e da educação?
Porque uma grande empresa multinacional, por exemplo, que esteja causando um dano ambiental de grandes proporções, poderá acionar o CNMP para que as ações do promotor do caso sejam retiradas e ele punido. Como a composição do CNMP será indicada politicamente, os interesses políticos e econômicos é que prevalecerão na decisão do órgão de controle externo. O mesmo acontecerá com ações ou operações que atinjam pessoas econômica ou politicamente influentes e poderosas. As ações do Ministério Público voltarão a ser restritas aos chamados 3 Ps (pretos, pobres e prostitutas), como eram no passado, antes da Constituição de 1988, época em que a instituição não tinha autonomia nem seus membros independência.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, que deu autonomia para o MP, várias vezes o poder político tenta
frear a atuação de promotores e procuradores. Como o MP sobrevive?
O Ministério Público tem sobrevivido graças ao apoio da sociedade e da opinião pública, que tem se posicionado firmemente em sua defesa, como no caso da PEC 37, que propunha retirar o poder de investigação e que foi derrubada porque a opinião pública reagiu e as pessoas foram às ruas exigindo a sua rejeição.

O MP vai conseguir sobreviver agora?
O Ministério Público independente é uma garantia fundamental do cidadão, de que o poder do Estado não será utilizado para perseguições por interesses políticos ou econômicos, nem para proteger poderosos infratores da lei. Se a PEC 5 passar, o Ministério Público, como o conhecemos, deixará de existir. Haverá apenas um arremedo de Ministério Público, sem independência, sem autonomia e atuando de acordo com interesses políticos e econômicos poderosos e inconfessáveis.

Há um exemplo claro de revanche contra o MP no processo relacionado aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato do Rio que divulgaram uma denúncia sem sigilo contra os senadores Edison Lobão e Romero Jucá e agora estão ameaçados de demissão. Isso será recorrente?
Não nos furtamos em discutir nossos erros e procurar mudanças para evitá-los e para nos aprimorar. Devemos, sim, debater, discutir e encontrar caminhos. Porém, infelizmente, o Ministério Público está pagando caro muito mais pelos seus acertos do que pelos seus erros, a verdade é essa. Com a PEC 5, a situação vai ficar muito pior, porque com uma composição eminentemente política, a tendência será o CNMP passar a perseguir promotores e procuradores que atuarem contra os interesses políticos e econômicos que influenciaram as escolhas dos seus conselheiros. Tempos sombrios se anunciam.

Os líderes na Câmara alteraram o texto original. Houve algum acordo com as associações do MP?
Os presidentes das associações do MP divulgaram vídeos e notas públicas negando qualquer acordo. A proposta original da PEC, como apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), era bem mais modesta, porque se limitava a alterar a composição de apenas uma cadeira do CNMP, para tentar aumentar a influência política no quorum de julgamentos, nada mais. Porém, o relator havia incluído em seu substitutivo várias outras propostas ainda bem mais danosas, conhecidas no jargão legislativo como “bodes malcheirosos”, que são introduzidos na sala para serem retirados durante o processo de negociação e, assim, passar a falsa imagem de que foram feitas concessões. Não houve consensos, o que há é imposição, rolo compressor e tratoraço por parte dos defensores da PEC 5.

Integrantes do MP de Contas reclamam de que não terão assento no CNMP, mas passarão a ser fiscalizados. É justo?
Esse é um fato que mostra como a tramitação da PEC 5 tem sido açodada e sem o mínimo de discussão com a sociedade e com as pessoas e instituições que serão diretamente afetadas por ela. O MP de Contas tem particularidades que o diferenciam muito dos demais MPs. Embora os membros do MP de Contas tenham as mesmas garantias e prerrogativas dos promotores de Justiça, a instituição em si não possui autonomia administrativa ou financeira de seus co-irmãos, estando vinculada ao respectivo tribunal de contas, que é órgão auxiliar do poder legislativo. Essas particularidades foram consideradas e debatidas? Claro que não. Nada foi debatido. Estão tratorando, empurrando goela abaixo da sociedade um conjunto de mudanças que prejudicará os interesses dela própria. A propósito, tramitam no Congresso PECs que buscam aprimorar os tribunais de contas e é no âmbito delas que as questões relativas ao MP de Contas deveriam ser tratadas.

O MP está fugindo do controle?
Essa é uma daquelas lendas urbanas que, de tanto ser repetida, passa a ser tida como verdade, mas os números oficiais mostram que é uma afirmação mentirosa. O próprio CNMP divulgou oficialmente em seu site um comparativo entre a sua atuação corretiva e a do seu irmão gêmeo, o Conselho Nacional de Justiça — CNJ, que exerce o controle de magistrados e tribunais. A análise comparativa dos números dos processos disciplinares revelou que o CNMP instaurou 137% a mais, julgou 182% a mais e aplicou 58% mais sanções do que o CNJ. Ou seja, nos últimos 15 anos, o CNMP foi muito mais rigoroso que o CNJ. O CNMP pune bem mais do que o Conselho de Ética da Câmara ou do que a 2ªTurma do Supremo Tribunal Federal, por exemplo. Esses dados mostram que o objetivo da PEC 5 não é o de corrigir ou evitar eventuais erros do Ministério Público, ou aprimorar a sua atuação, mas o de subjulgá-lo e submeter as ações dos promotores e procuradores a obscuros e inconfessáveis interesses políticos e econômicos.

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