ANA MARIA CAMPOS
OTÁVIO AUGUSTO
Uma máfia que desvia remédios de alto custo desbaratada pelo Ministério Público de São Paulo pode ter uma ramificação na capital do país. Durante a deflagração da segunda etapa da Operação Medlecy, na manhã da última quarta-feira, quando nove pessoas foram presas em quatro unidades da federação, havia um alvo na região do Por do Sol, em Ceilândia. Num dos bairros mais pobres do Distrito Federal, os investigadores encontraram, em uma casa simples, caixas de medicamentos para tratamento de câncer que valem mais de R$ 20 mil. Em depoimento realizado em Brasília, o homem, sem profissão declarada, admitiu que revendia os produtos. Mas não deu detalhes sobre como os adquiria.
Na casa do suspeito, havia uma mina de ouro em medicamentos. Juntos custam mais de R$ 138 mil. Foram encontradas caixas de Rituximab, usado no tratamento de leucemia grave. Um frasco chega a custar R$ 12 mil. Outro remédio aprendido é o AmBisome, indicado no tratamento de infecções em pacientes com câncer e Aids. Uma caixa não sai por menos de R$ 21 mil. Todos os produtos foram apreendidos, além de três carros usados pelo investigado que está preso no Departamento de Polícia Especializada (DPE) e será transferido para São Paulo, onde tramita a investigação, sob a responsabilidade do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo. Os investigados devem responder por organização criminosa, crime contra a saúde pública e receptação dolosa qualificada. Entre os alvos, há um servidor público de São Paulo e um empresário do Espírito Santo.
No Distrito Federal, a operação foi realizada pelo Gaeco do DF, como cooperação ao trabalho dos colegas de São Paulo, e pela equipe de policiais civis da Coordenação de Combate ao Crime Organizado, contra a Administração Pública e contra a Ordem Tributária (Cecor). Além da prisão, os policiais realizaram uma busca e apreensão na casa do suspeito, quando foram encontrados os medicamentos, aparelhos celulares e documentos.
Essa operação da última quarta-feira é desdobramento das investigações iniciadas pelo Gaeco de São Paulo, em abril de 2015, que apurou a atuação de um grupo criminoso que estaria obtendo medicamentos de alto custo de origem ilícita, por meio de furto, roubo e desvio de órgão público, para, em seguida, por meio de empresas de fachada, vendê-los a clínicas e hospitais. As vendas eram realizadas pelo escritório sediado em Bauru, onde inclusive atuavam os líderes da organização. No Distrito Federal, a apuração ainda está no início. O morador do Por do Sol, em Ceilândia, foi apontado durante a investigação, como um fornecedor de medicamentos para a quadrilha.
A pedido do Correio, técnicos do Ministério da Saúde e do Conselho Regional de Farmácia (CRF-DF) avaliaram os medicamentos apreendidos no DF. As drogas não são de livre comércio. A compra é comumente é negociada entre órgãos e hospitais públicos e o laboratório fabricante. O Rituximab, por exemplo, sequer é distribuído a pacientes. Seu uso é restrito ao tratamento do doente quando está hospitalizado.
No DF, cerca de 30 mil pacientes recebem mais de 200 remédios de alto custo gratuitamente. A Secretaria de Saúde estima que são necessários R$ 270 milhões para custear a compra de medicamentos em 2018. Em média, o Ministério da Saúde investe R$ 15 milhões todos os anos para a manutenção do serviço.
A Secretaria de Saúde também analisou as fotos dos medicamentos apreendidos e afirma não acreditar que os produtos tenham sido desviados de seus estoques. Segundo a assessoria do órgão, o Captopril não é a marca que a Secretaria de Saúde compra desde 2014. O Rituximabe é fornecido pelo Ministério da Saúde, mas a secretaria não fornece a concentração que aparece na embalagem. A apresentação do Rituximabe da SES necessita de refrigeração. O AmBisome, que aparece em outra foto, é fornecido pelo Ministério da Saúde, mas também não é essa marca. Haveria coincidência apenas no Cubicin (Daptomicina).
Segundo a Secretaria de Saúde, todos os editais de compra, por exigência de legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), determinam que no rótulo apareça a inscrição “venda proibida ao comércio”, que não se vê nessas caixas apreendidas. Ainda segundo a pasta, nos relatórios de auditoria das etapas de Armazenamento e distribuição de medicamentos produzidos pelos órgãos de controle e transparência do DF não houve registro de indícios de desvios de medicamentos, nem inconformidades que pudessem sinalizar desvios nas áreas de armazenamento centrais da SES DF.