Gabriela Rollemberg aponta machismo “estrutural e sistemático” na CPI da Covid

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À queima-roupa // Gabriela Rollemberg (Advogada, cofundadora da startup Quero você eleita e integrante do movimento Elas pedem vista)

Por Ana Maria Campos

Houve muita controvérsia sobre o tratamento dispensado pelos senadores na CPI da Pandemia em relação ao depoimento da médica Nise Yamaguchi. O que você achou?
A médica Nise Yamaguchi deu seu depoimento em um ambiente de completa hostilidade, o que é natural se considerarmos as disputas de poder e o protagonismo que envolvem a CPI. Ao visualizar a disputa ideológica em questão, poderíamos pensar que esta seria a única motivação das interrupções constantes feitas à convidada, por ser defensora do equivocado tratamento precoce contra a covid-19. Mas, ao verificarmos a intervenção do senador Jorginho Mello (PL-SC), que, mesmo sendo da base governista, interrompeu a Dra. Nise para pedir que ela fosse mais objetiva em sua fala, “mais econômica” nas respostas, ficou evidente a relevância da questão de gênero naquele ambiente de poder, e não apenas a posição profissional e ideológica da convidada. O fato não passou despercebido pela senadora Leila Barros (PSB-DF) e, posteriormente, pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que alertaram durante a sessão sobre a questão das interrupções. A senadora Eliziane chegou até mesmo a pontuar especificamente que “é a primeira vez nesta CPI que alguém da base do Governo interrompe a depoente”, e que “isso realmente não é uma rotina, não é normal quando se trata da presença masculina”.

Outras depoentes também reclamaram. É um comportamento machista?
É um comportamento machista, estrutural e sistemático, principalmente quando se percebe a diferença clara entre a receptividade das intervenções de homens e mulheres naquele espaço de poder. Várias vezes, quando uma senadora está falando, antes mesmo de terminar, é interrompida por outro senador, que passa a explicar até a mesma ideia. Em outras ocasiões, quando discursa com um tom de voz um pouco mais alto, logo é taxada de nervosa, agressiva e rude, o que não acontece quando se trata de um senador.

Esta é uma CPI que não tem mulheres em sua composição, a ponto de haver um revezamento de senadoras como ouvintes para ter voz nas discussões. Isso prejudica?
Sem representatividade feminina nas decisões, temos uma perda na qualidade das deliberações, que não levarão em conta as diferentes perspectivas, inclusive as femininas. Vale lembrar que estudos revelam que as mulheres são as mais afetadas pela pandemia. Após o trabalho combativo desempenhado pelas senadoras, que têm sido destaque pela assertividade e qualidade dos questionamentos, o “G7”, o grupo majoritário de integrantes da CPI da Covid, formado por senadores de oposição independentes, ganhou uma integrante da bancada feminina, a senadora Eliziane Gama, o que certamente vai contribuir para a eficiência dos trabalhos da Comissão.

As senadoras e depoentes têm sido constantemente interrompidas pelos homens da CPI. Está claro aí um sinal de manterrupting?
A CPI tem sido uma grande vitrine do manterrupting, que é um neologismo surgido a partir da junção das palavras em inglês “man” (homem) e “interrupting” (interrompendo) para indicar a interrupção desnecessária de uma mulher por um homem, impedindo que ela conclua sua fala. A quantidade de exemplos desse comportamento na CPI é grande, e eles têm sido corriqueiramente noticiados pela imprensa e pelas próprias senadoras em suas redes sociais.

Até uma senadora, Leila Barros (PSB-DF), reclamou de ser alvo de machismo, quando um colega, o senador Marcos Rogério, pediu que ela não ficasse nervosa… Esse tipo de comentário ocorre quando um homem é enfático?
Existe uma noção atribuída ao “caráter” das mulheres, que são colocadas naturalmente nesse lugar de passionalidade e histeria, quando apresentam comportamento assertivo ou combativo. A diferença é que, com homens, esse comportamento firme é visto como positivo e vigoroso, e, quando se trata de uma mulher, esse comportamento passa pelo filtro do olhar do patriarcado, que sente verdadeiro incômodo e estranhamento ao ter que lidar com mulheres que desafiam a sua lógica.

Por outro lado, a médica Luana Araújo foi muito aplaudida. O que houve de diferente nesse depoimento?
Embora seu depoimento tenha ocorrido em ambiente menos hostil, o que, a meu ver, tem relação com o conteúdo de sua manifestação baseada em evidências científicas, também ocorreram interrupções à sua fala e pedidos para que ela fosse “mais econômica” nas palavras, tendo sido chamada pelo senador Marcos do Val de “dona da verdade”.

O que fazer para mudar essa realidade? Como as mulheres vão conseguir se impor em debates como esses?
É interessante que esse debate esteja sendo pautado pela participação das senadoras na CPI, o que está contribuindo para que essa realidade seja conhecida da sociedade em geral. No Brasil, precisamos tornar a política um ambiente menos masculino. Na América Latina, estamos avançando muito nessa temática. A Bolívia alcançou recorde histórico de 56% das cadeiras no Senado. O Chile teve a primeira constituinte paritária do mundo, na qual as mulheres foram ainda mais votadas que os homens. Precisamos entender a importância de normalizar a participação de mulheres nesses ambientes, bem como construir uma cultura de respeito e escuta ativa às mulheres, abolindo comportamentos como o manterrupting, para que possamos avançar enquanto sociedade.

Ana Maria Campos

Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.

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