Entrevista de dom Marcony Vinícius Ferreira, arcebispo ordinário militar do Brasil, à coluna Eixo Capital de 24 de dezembro de 2023, por Ana Dubeux
A vida é a soma das escolhas que fazemos diariamente: as perdas, os danos, as conquistas. O senhor completou 35 anos de ordenação sacerdotal neste mês de dezembro, sente-se realizado com a escolha que fez?
A vida é dom de Deus, assim como nossa vocação, que se torna missão no mundo. Sou muito feliz com a bondade de Deus e minha entrega como instrumento dEle para o bem de tantos. São 35 anos de gratidão, primeiro a Ele; depois à Igreja que está em Brasília; que me acolheu e me ensinou a ser padre; e hoje à família militar a quem sirvo em todo Brasil.
Depois da correria de sempre, enfim, é Natal. O que aconselha as pessoas nesses tempos de tanto extremismo?
Natal é a presença do Menino Deus entre nós e Ele vem ao nosso encontro na simplicidade da gruta de Belém. No Natal, temos um intercâmbio de dons, no qual Ele nos dá a Sua divindade e nós Lhe damos a nossa pobre humanidade. Assim como no mistério da encarnação, temos a união do divino com o humano, assim também não podemos desejar outra coisa senão união, paz, verdadeiro amor e atenção aos que mais necessitam. “Busquemos o que nos une, não o que nos desune. Sejamos pontes e não muros”. Assim nos ensinava nosso amado São João Paulo II. Comecemos com o diálogo amoroso dentro de nossas famílias e permearemos a sociedade de mais compreensão e convivência fraterna.
Este é o primeiro Natal livre da pandemia, que deixou muitas sequelas, acirrou ainda mais a polarização política, o senhor vislumbra dias melhores em 2024?
Com certeza, tivemos um tempo difícil, quando da pandemia, mas vislumbramos sempre a esperança em dias melhores. Quem sabe, começar por entender que o que pensa diferente de mim não necessariamente é meu inimigo. O respeito ao outro é o primeiro passo para desfazer a polarização. Depois vem o diálogo franco, sempre buscando a verdade e o bem comum.
O senhor sempre foi um dos principais mediadores nas tratativas entre o poder público, a Igreja e a comunidade. Já aparteou querelas de carnaval, briga de políticos e atenuou espíritos exaltados. Este ano, em razão do 8 de janeiro, foi mais desafiador?
Devemos ser sempre instrumentos da paz e da presença de Cristo para todo o povo. Temos razão quando buscamos nossos direitos e temos obrigação de cumprir com nossos deveres. Muitas vezes, esbarramos na maneira como atuamos. Sempre pautei minha presença junto às autoridades como um irmão que tenta ajudar a apaziguar os ânimos e a buscar saídas. Cada situação envolve contexto e pessoas. Sou contra todo e qualquer tipo de manifestação que traga violência, seja ao patrimônio, seja, sobretudo, às pessoas.
Como o primeiro brasilense ordenado padre enxerga a Brasília dos nossos tempos?
Brasília tem crescido e sempre é bela, seja em sua arquitetura inigualável no mundo, seja, sobretudo, no que tem de mais surpreendente, que é o povo querido, cheio de fé e de solidariedade. Há poucas décadas, quando a comunicação ainda não era tão rápida, Brasília era o único lugar onde podíamos falar, por exemplo, de “tapioca” ou “chimarrão” e todos entendíamos, ou seja, espaço que abriga todo Brasil. Hoje, temos uma Brasília que continua a ser reflexo de acolhimento, mas também da disparidade social de todo o Brasil. Uma Brasília que será sempre palco de decisões nacionais e uma capital que ainda traz grandes desafios sociais em tantas áreas.
O que destacaria como avanço na relação da Igreja com os cidadãos?
A Igreja é mãe e mestra, sempre acolhedora e portadora dos ensinamentos de Cristo. Está presente com suas paróquias e comunidades, seja para estender a mão aos mais desvalidos, seja para levar o Evangelho a toda criatura. Em Brasília, posso atestar que o trabalho da arquidiocese foi e continua a ser muito intenso, na evangelização do povo, que é seu primeiro dever, e na busca de melhorias para toda a população, dando atenção a todos e, em especial, às comunidades novas que surgem.
O que o senhor acha da orientação do papa Francisco sobre a bênção para casais homossexuais?
Creio que a Igreja, com esse documento aprovado pelo papa Francisco, busca ser acolhedora e misericordiosa. Ela vem ao encontro do pecador em qualquer situação irregular e, ao mesmo tempo, esclarece mais uma vez a grandeza do sacramento do matrimônio.
Podemos falar tudo deste ano de 2023, menos que foi monótono. O que apreender desses quase 365 dias? Que lição 2023 deixa?
Este ano de 2023 deixa um alerta de que, se olharmos só para nossos interesses egoísticos, deixando-nos dominar por eles, continuaremos tendo conflitos e divisões entre nações, no nosso interno do Brasil e, até, na Igreja, trazendo, como consequência, intolerância e polarizações. O egoísmo me cega diante do próximo, fazendo-me buscar somente vantagens a meu favor ou de grupos. O Natal de Nosso Senhor foi vir até nós com humildade para o nosso bem. Buscou unir o divino ao humano, um rei que se fez servo e que nunca usou de sua condição divina em benefício próprio, mas fez-se doação e entrega, humilde e simples. Eis o modelo a seguir em qualquer seguimento da humanidade.