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“Deu-me a sensação de dever cumprido”, conta Reco do Bandolim sobre Paul McCartney no Clube do Choro

Publicado em CB.Poder

Por Ana Dubeux – À queima-roupa – Reco do Bandolim, presidente do Clube do Choro de Brasília

Você, alguma vez na vida, pensou em receber sir Paul McCartney no Clube do Choro? Como foi esse momento mágico?

Olha, de fato, jamais imaginei receber Paul McCartney no Clube do Choro. É um momento mágico, como você colocou. Há cerca de uma semana, a produção dele entrou em contato conosco e nos contou uma história que é a seguinte: Paul e John Lennon, juntos, estudaram em uma escola de música em Liverpool e, depois de muito tempo, já famosos com os Beatles, viram que a escola havia entrado em falência. Paul recuperou a escola, e ela está em pleno funcionamento, com mais de quatro mil estudantes. E, de alguma maneira, ele entrou em contato com a nossa história, a história da escola Raphael Rabello, a primeira escola brasileira de choro. Ficou encantado, viu a qualidade da programação da Escola do Choro, viu o projeto de Oscar Niemeyer. Tanto que tentei contar a história do projeto de Niemeyer para o produtor e ele respondeu: “Não precisa, o Paul já conhece essa história”. Nem precisei falar nada. Ciente da história, Paul, por decisão dele, gostaria de tocar no Clube do Choro. Se eu aceitava? Imagina se aceitaria (risos). Foi uma alegria enorme. Reservaram 30 ingressos para os alunos da nossa escola.

Quais foram as condições que eles impuseram?

Eles colocaram duas condições. A primeira é sigilo absoluto, por motivos óbvios. Um show de Paul McCartney atrai multidões em estádios. O Clube do Choro reúne, no máximo, 400 pessoas. Seria motivo de confusão. A segunda é que ficaria ao encargo deles toda a gestão do show, o que aceitei também. Ele trabalha com uma equipe extraordinária, com tudo fluindo. Dois dias antes do show, começaram a chegar quatro carretas enormes com equipamentos. No dia do show, eles me destinaram 10 ingressos. Eu disse que seriam insuficientes para a direção do Clube, mas não foi possível conseguir mais. Eles informaram que o Clube já estava lotado.

É exagerado dizer que esse show muda a história do Clube do Choro?

O fato é que foi um show inesquecível, um negócio deslumbrante. Vi muita gente chorando, numa vibração incrível. O Paul é um homem de mais de 81 anos de idade, mas tocou guitarra, contrabaixo e piano, cantando todas as músicas, que exigem muita energia. É rock. Quando cantou Ob-La-Di, Ob-La-Da, foi a senha para o encerramento. Ele disse “obrigado” em português. É muito simpático. Foi para a coxia, o público pediu mais, voltou, deu o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto biz. É um negócio inacreditável a energia, a disposição e a alegria de Paul. Eu sempre sou muito grato aos músicos brasileiros que tornaram aquele um palco sagrado. Mas considero que agora existe um marco, antes e depois de Paul. Ele deu uma dimensão internacional ao Clube do Choro. Tenho recebido contatos de gente da Noruega, da Dinamarca, da Alemanha. Tenho a consciência de que haverá uma mudança substantiva a partir desse momento. Acho que os músicos estrangeiros que vierem ao Brasil vão querer se apresentar no Clube do Choro. Já estão comparando o Clube do Choro ao Cavern Club, onde os Beatles tocavam.

Como nasceu a ideia do arranjo de Yesterday, dos Beatles, e Carinhoso, de Pixinguinha?

A história do Carinhoso com Yesterday nasceu do Henrique Neto, meu filho, violonista e diretor da Escola de Choro. Ele disse: “Pai, podíamos juntar as mãos de Pixinguinha com os Beatles. O que você acha?” Começamos a ver que Carinhoso está na mesma tonalidade de Yesterday. Começamos a fazer um arranjo, mas, infelizmente, ficou muito em cima do show. Estou convencido de que ficou interessantíssimo. Mas vamos gravar e mandar para o Paul. Tenho certeza de que dará um resultado importante.

Rock e chorinho são gêneros, aparentemente, de planetas distintos. O que o show de Paul na casa do choro tem a nos ensinar sobre a riqueza das diferenças?

As diferenças representam riquezas, essas riquezas que podem e devem ser um fator de aproximação entre as pessoas, venham de onde vieram, pensem como pensarem. Paul veio de Liverpool, do rock, na casa do choro, na casa de Pixinguinha. São diferenças que acabam se transformando em grandes riquezas para todos. É um reconhecimento cada vez mais importante nos dias de hoje.

A apresentação é a coroação de todos esses anos de luta para manter um dos espaços mais icônicos de Brasília?

O que senti durante o show foi que não é sem motivo que esse grande astro internacional está pisando nesse palco. Senti que valeram a pena esses 30 anos de trabalho no Clube do Choro. O fato de ter criado a primeira escola de choro no Brasil sensibilizou um estrangeiro, a presença do Paul e da sua banda, um Beatle em nossa casa, terá uma importância muito grande para o destino do Clube do Choro, os projetos, os patrocínios. Tenho agora a presença de um monstro sagrado da música, extraordinário compositor, arranjador, instrumentista. Um homem que fez uma história belíssima no mundo inteiro, embalou o coração de uma juventude, na qual me incluo. Deu-me a sensação de dever cumprido.