À queima-roupa // Clayton Germano, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Por Ana Maria Campos
A lei de improbidade sempre foi um caminho para punir políticos e gestores corruptos. O que muda com a nova lei que alterou vários conceitos sobre irregularidades na gestão?
A redação final do projeto traz inúmeras alterações que dificultarão a investigação, processo, julgamento e condenação dos atos de improbidade administrativa praticados em detrimento da administração pública e de toda sociedade que paga impostos e depende da prestação de serviços de saúde, educação, transporte, segurança, assistência social, etc.
São várias as alterações que causarão mais impunidade, mas a contagem retroativa do tempo da suspensão dos direitos políticos — o que é mais caro aos políticos profissionais — e a instituição da prescrição intercorrente de somente oito anos — que corre durante a investigação ou curso processual —, são feitos para garantir que ninguém mais no Brasil será punido por ato de improbidade. E, se for condenado, a sanção não terá qualquer efeito.
Um dos principais pontos do projeto é a necessidade da comprovação de dolo para punição dos agentes públicos, ou seja, a intenção de prejudicar a administração pública. Essa comprovação dificulta a condenação de um mau gestor?
A comprovação da existência do dolo — ou seja a vontade livre e consciente — da prática do ato de improbidade administrativa é um pressuposto básico, inarredável, inafastável. O problema não está na comprovação (ou não) do dolo, culpa em sentido estrito. O problema está na existência de obstáculos processuais — tais como a existência da prescrição intercorrente, de incidentes e recursos processuais em relação às decisões, que antes eram irrecorríveis ou somente eram impugnadas ao tempo da sentença, dentre outros vários obstáculos. Esses obstáculos foram criados para arrastar (até mesmo impedir) a instrução processual e impedir o julgamento célere. Nos casos de corrupção, a justiça tardia dá à sociedade a sensação de impunidade e estimula a descrença na cidadania, na democracia, na Justiça e na capacidade de a nossa sociedade ser mais fraterna, menos desigual, mais solidária e próspera.
O país tem retrocedido claramente no combate à corrupção. Os políticos se mobilizaram. Acha que há um caminho de volta?
O Brasil passa por um grave período de retrocesso, eis que inúmeras leis estão sendo alteradas para dificultar — ou até mesmo tornar impossível — a investigação, processo, julgamento e condenação da corrupção. Pode-se afirmar que estamos voltando a um estágio pré-constituição de 1988. Isso terá forte impacto na prestação dos serviços de saúde, educação, transporte, moradia, segurança, assistência social, dentre outros, sobretudo nesse momento de pandemia em que aumentou o desemprego, a inflação, a desigualdade e há um contingente enorme de pessoas dependendo, exclusivamente, das ações e serviços do Estado para sobreviver no dia a dia. O único caminho de volta é a mobilização da sociedade, para exigir dos representantes eleitos a revogação ou veto das leis que estão fragilizando e acabando com o combate à corrupção, tal como a nova Lei de Improbidade.
É desestimulante seguir na carreira de promotor de Justiça?
Não, de forma alguma, ainda que estejamos vivenciando um quadro de retrocesso generalizado na punição aos criminosos. Todo estudante ou cidadão, que sonhou um dia e se tornou um membro do Ministério Público, tem como vocação a luta contra a injustiça, a desigualdade social, a corrupção, enfim, a luta contra a criminalidade como um todo. Todos nós sabíamos — e fizemos essa opção por vocação — que o promotor de Justiça sempre enfrentará desafios para servir à sociedade. Sempre será um grande desafio promover justiça em um país tão acostumado às injustiças. A sociedade tem a esperança que o Ministério Público nunca desistirá. A sociedade também não pode desistir do Ministério Público.
E a PEC 05/2021? É o fim do MP?
A última redação da PEC n. 05/2021 representa o fim do Ministério Público da Constituição de 1988, acabando com a independência e autonomia funcional de seus membros, deixando-os sujeitos às pressões e perseguições políticas. Isso representará o enfraquecimento da Instituição e um enorme prejuízo a toda sociedade.