Arthur Trindade conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Publica.
CBPFOT250620180197 25/06/2018. Crédito: Arthur Menescal/Esp.CB/D.A. Press. Brasil. Brasília - DF. Arthur Trindade, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Publica.

Arthur Trindade: “Recadastramento dos CACs para saber quantas armas já caíram nas mãos de criminosos”

Publicado em CB.Poder, Eixo Capital, Eleições, Entrevistas, Notícias

Da coluna Eixo Capital/Ana Maria Campos

À Queima Roupa: Arthur Trindadediretor do Instituto de Ciências Sociais da UnB, e Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

“É necessário fazer um recenseamento dos CACs para saber quantas armas ainda estão de posse dessas pessoas e quantas já caíram nas mãos de criminosos”


Na sua opinião, o próximo governo deveria recriar o Ministério da Segurança Pública, dividindo o Ministério da Justiça?

Sim, pois a estrutura do atual Ministério da Justiça e Segurança Pública é insuficiente para tratar da diversidade e complexidade dos temas ligados à segurança pública. Atualmente a Secretaria Nacional de Segurança Pública desempenha funções que em outros países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra são realizadas por oito ou nove agências. Portanto, não se trata apenas de dar visibilidade ao tema. É fundamental reestruturar a área no governo federal. Mesmo que isso não aconteça imediatamente, devemos ter esse objetivo no horizonte.

 

Como deve ser a política de armamento? O que precisa mudar? Como desarmar a população?

Durante a campanha, Lula afirmou que a política de armamento implantada por Jair Bolsonaro seria revista. Para isso, é necessário revogar uma série de decretos e portarias editados nos últimos anos que contrariavam flagrantemente o Estatuto do Desarmamento. Além disso, é preciso aumentar o grau de controle sobre a fabricação e comercialização de armamentos e munições. Existem atualmente dois sistemas destinados a isso: o SIGMA controlado pela Polícia Federal e o SINARM gerido pelo Exército. Os sistemas não conversam entre si e apresentam uma série de deficiências. É preciso aperfeiçoá-los. As pesquisas mostram que a grande maioria da população é contrária à política armamentista. O significativo crescimento do número de pessoas com porte e posse de arma aconteceu num segmento muito específico designado como Caçadores, Atiradores e Colecionadores – CAC. Isso aconteceu devido ao afrouxamento das regras de controle por parte do Exército, permitindo que um único indivíduo comprasse dezenas de armas – incluindo fuzis – e milhares de munições. É necessário fazer um recenseamento dos CAC para saber quantas armas ainda estão de posse dessas pessoas e quantas já caíram nas mãos de criminosos.

 

Qual papel a Força Nacional de Segurança deve exercer?

O governo Lula terá que decidir o que fazer com a Força Nacional. O problema não me parece que seja a sua função. Há um certo consenso sobre a necessidade de o governo federal manter um efetivo de policiais e bombeiros para apoiar os estados, bem como para atuar em temas federais como reservas indígenas e proteção de pessoas ameaçadas. A dificuldade está na estrutura. Até hoje a Força Nacional não foi institucionalizada na forma de lei. Ela existe na forma de decretos e portarias e é composta por profissionais cedidos pelos estados e pagos pela União na forma de diárias. O que eleva muito o custo de manutenção. Ou seja, a Força Nacional é pouco institucionalizada e muito cara.

 

Qual o principal desafio para a implementação da Política Nacional de Segurança?

Nas últimas décadas, foram anunciados vários planos nacionais de segurança. A maior parte nunca saiu do papel. Alguns deles não tinham foco. Em outros, faltavam metas e indicadores bem definidos. Mas o grande problema a meu ver é a definição do papel do governo federal. A União não tem estrutura nem capilaridade para implantar sozinha uma política de segurança pública. São os estados e municípios que, de fato, irão implantar as ações. Portanto, cabe ao governo federal induzir estas ações. O maior desafio é aperfeiçoar essa capacidade de indução.


Quais são as principais ações necessárias para reduzir a violência contra a mulher?

As violências contra as mulheres continuam sendo um dos maiores problemas da área, a despeito de algumas iniciativas serem bem sucedidas. A criação das Delegacias Especializadas em Atendimento às Mulheres – DEAM – foi um passo importante. Depois vieram outras iniciativas como as patrulhas Maria da Penha, destinadas ao cumprimento de medidas restritivas. A criação das Casas da Mulher Brasileira que prevê um tratamento multidisciplinar do tema foi outra boa iniciativa. Mas é preciso fazer mais. A maior parte dessas iniciativas se concentra nas capitais. São poucos os municípios do interior que contam com programas de enfrentamento à violência contra mulheres. Também é preciso engajar mais o Judiciário e o Ministério Público nessa luta, uma vez que a maior parte dos casos de violência, especialmente dos feminicídios, segue impune. Também é necessária maior participação da sociedade civil como escolas, igrejas e mídia.

 

E para o combate ao crime organizado?

Nos últimos anos, o crime organizado se “federalizou”. As principais facções criminosas da região Sudeste passaram a atuar no restante do país. A despeito disso, o combate ao crime organizado segue sendo tarefa eminentemente estadual. Há pouco intercâmbio de informações entre as polícias estaduais. Os raros casos de troca de informações acontecem por iniciativas individuais. Creio que o principal papel do governo estadual é organizar e gerir um sistema nacional de inteligência de segurança pública que seja capaz de compartilhar informações com segurança e confiabilidade.

 

Qual crime mais preocupa hoje?

A despeito da queda registrada desde 2017, os homicídios continuam sendo o maior problema nacional. Temos 3% da população mundial e respondemos por 10% do total de homicídios. E mais grave: o quadro é antigo. Convivemos com taxas altíssimas de homicídios há mais de 30 anos. A boa notícia é que alguns estados implantaram na última década políticas bem sucedidas na redução de homicídios. A investigação de homicídios também melhorou em alguns estados. A taxa de elucidação de homicídios segue baixa na maior parte dos estados. Entretanto, algumas polícias têm apresentado desempenho extraordinário, conseguindo elucidar mais de 70% dos homicídios. Ou seja, o quadro segue grave, mas já existem boas iniciativas que podem ser replicadas.

 

Acredita que a intolerância política que vemos hoje tende a aumentar?

Acho que depende muito das lideranças políticas. Na medida que o discurso político se torna mais radical, a reação de alguns grupos tende a seguir as lideranças. O contrário também pode acontecer. Se os discursos abrandarem, a intolerância também diminuirá. É importante frisar que não há inimigos, mas sim adversários políticos.

 

As policiais militares darão apoio a Bolsonaro mesmo fora do poder?

Bolsonaro conquistou apoio junto aos policiais principalmente pelo reconhecimento que conferiu ao trabalho desses profissionais. Ele ocupou o espaço deixado pelas lideranças políticas do passado. Resta saber se o novo governo irá valorizar o trabalho policial ou não. Assim, creio que Bolsonaro seguirá gozando de prestígio junto aos policiais, mesmo que esse apoio diminua. Mas é importante notar que a maior parte dos policiais é contrária a política armamentista de Bolsonaro. Bem como, a vacinação alcançou enorme adesão na categoria.