LEONARDO CAVALCANTI
A solidão nunca foi uma novidade para os poderosos. O poder não é algo compartilhado, assim, por óbvio, é apartado, distante, principalmente em meio às crises envolvendo presidentes da República. Há um preço a ser pago, sempre. Ninguém chega ao topo da administração pública impunemente. Um de cada vez, comecemos pelos eleitos nas cabeças de chapa.
E, assim, vamos ao Getúlio Vargas revelado pelo escritor cearense Lira Neto, 55 anos, o mais preciso biógrafo dos tempos atuais. No segundo volume da trilogia sobre o político, lançado pela Companhia das Letras ainda em 2013, Lira Neto — um intelectual que mistura disciplina acadêmica com rigor jornalístico — apresenta um presidente muitas vezes sozinho.
Uma das passagens do segundo volume trata de frases perdidas no diário de Getúlio. A data: 29 de fevereiro de 1932, uma segunda-feira, como mostra o calendário da época. “Chego a Petrópolis sem novidades, a situação continua em crise.” Diga você, que está até aqui comigo, há algo mais solitário do que a ausência de novidades? Numa tentativa rasteira de contextualização — e por conta própria —, havia um racha entre tenentistas e liberais, com todo o equívoco e a força de movimentos políticos que se perpetuam ao longo da história.
Antes de chegarmos a Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e, por fim, a Michel Temer, mais uma de Getúlio. Lira Neto revela um presidente na intimidade. Um dos momentos é a partida da amante, Aimeé, que foi viver na Europa, e, em seguida, nos Estados Unidos. “À noite, houve a clássica ceia em família. Assim, passou-se para mim o ano, tendo uma ponta de amargura por alguma coisa longínqua, que era a minha fina razão de viver”, escreveu.
Livros
Nos piores momentos do governo, o tucano Fernando Henrique Cardoso buscava o silêncio da biblioteca do Palácio do Alvorada. O homem vagava horas e horas entre as publicações, como se esperasse uma resposta para os tornados políticos de Brasília. Livros podem ser bons conselheiros, mas não deixam de revelar a concisão de alguém, inclusive um presidente.
A fórmula de Lula era oposta. Nas horas mais delicadas do governo — não foram poucas, mas fiquemos com o mensalão — o petista buscava os eleitores, como se tentasse medir a temperatura das ruas. Leitor atento dos cenários políticos, sabia da importância do apoio popular nas tensões com o Congresso, onde as crises começam e terminam, a favor ou contra um presidente.
Há um detalhe, mesmo nessa análise rasa de algo tão profundo como a solidão: aqui, tratamos de informações disponíveis enquanto um político ocupava o cargo principal da República. Da solidão de Lula no cárcere ou dos outonos de FHC depois de deixar o Palácio do Planalto, por exemplo, tratemos em outro momento.
Dilma
Quando no cargo — e poucos meses antes da queda —, Dilma até tentou se desvencilhar da burocrata enfadonha, mostrando-se mais atenta aos movimentos de petistas contra o impeachment. Nos finais de semana no Alvorada, porém, Dilma voltava a se cercar de relatórios e recebia pouquíssimos assessores, como se soubesse sobre o próprio destino. Esqueça aqui a resiliência dos políticos citados — tratamos apenas da solidão, algo diferente da qualidade de resistir e se manter firme às pressões do cotidiano.
Por fim, chegamos a Michel Temer, que nunca sentiu o gosto da popularidade e corre o risco de entrar para a história como o mais rejeitado presidente do Brasil — pelo menos no que se pode verificar nos institutos de pesquisa nos últimos 30 anos. Para os aliados fiéis, como o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Ronaldo Fonseca, Temer tem a capacidade de se manter calmo em meio ao caos. É uma figura afável entre os íntimos, mas isso não significa que lide bem com a solidão do poder.
Aridez
Nos bastidores de Brasília, personagens que se relacionaram com os quatro últimos presidentes dizem não ter visto ninguém tão sozinho. A escolha de Temer por um time sob suspeita aumentou a dificuldade e a aridez de interlocutores mais sofisticados do ponto de vista estratégico e intelectual. Se o emedebista tinha pouco tempo de mandato para um governo efetivo, o relógio das horas até o fim do mandato parece ser um suplício — pelo menos do ponto de vista político, pois, do lado jurídico, o adiantar dos ponteiros, com o fim do foro, é um desespero.