À QUEIMA-ROUPA
Edvandir Felix de Paiva, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
O ministro Sérgio Moro é o principal interessado na Operação Spoofing. Existe conflito de interesses, uma vez que a PF é subordinada ao Ministério da Justiça?
A investigação tem sempre que se pautar pela isenção. Quando você tem um ministro que é vítima e ainda por cima tem a Polícia Federal na sua pasta, é claro que pode haver um comprometimento da isenção na atuação do ministro, seja real ou na interpretação pública. E diria o mesmo se quem estivesse conduzindo a investigação fosse um delegado que foi alvo da invasão. Não teria as condições objetivas de isenção necessárias. Não estou dizendo que a Polícia Federal está sendo pressionada pelo ministro Sérgio Moro, mas não basta ser, é preciso parecer também.
Numa investigação como essa, é correto, do ponto de vista legal e ético, que o ministro Sérgio Moro seja informado de tudo?
Não pode haver qualquer dúvida sobre o trabalho de uma Polícia Judiciária, como a Polícia Federal. Diligências em andamento e outros dados de uma investigação não podem e não devem ser repassados a ninguém que não aqueles atores que estão participando da investigação, salvo quando autorizada a publicidade pelo Juízo. O sigilo e a confiabilidade de uma investigação são pedras basilares e fundamentais de uma polícia republicana. Por isso, a PF ainda é hoje uma das instituições mais aplaudidas e com confiança da população. Especificamente, caso se entendesse que há necessidade de se informar a autoridades da República que foram hackeadas, para que tomassem providências preventivas contra novas invasões e resguardassem suas intimidades e também os interesses públicos envolvidos inerentes às suas atuações profissionais, alguns, inclusive, de segurança nacional, bastaria uma provocação do delegado, do procurador, até mesmo da AGU, representante legal dos interesses da União, ao juiz da causa, solicitando compartilhamento dessas informações, a ser cumprido pelo próprio Juízo ou pelo delegado responsável pela investigação. Não sabemos se isso ocorreu.
Qual é a lição que o país tira desse episódio?
É preciso discutir novamente a questão da necessidade de autonomia da PF. Tem se tornado rotina na mídia essa questão de possíveis interferências em investigações da PF. A Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo e tem agido assim. Não tenho dúvidas da idoneidade dos delegados da Polícia Federal, seja na Lava-Jato, seja nesta operação Spoofing, ou em tantas outras que estão em andamento. Mas o fato é que a PF continua sujeita de várias formas a interferências. Temos um diretor-geral que pode ser retirado do cargo a qualquer momento, já que não tem mandato. Da mesma forma, o diretor-geral não tem, formalmente, garantia de nomeação de grande parte das chefias da PF, que tem que passar pelo crivo da Casa Civil ou do MJ.
A decisão é política?
Há uma decisão política e isso está errado. Sem falar nos recursos financeiros. Temos que ter condições de definir onde devemos gastar. Hoje, por exemplo, temos 4500 vagas em concurso, isso é um terço do nosso efetivo, mas ficamos dependendo de o Planejamento autorizar. Quantas operações poderíamos fazer se esse quadro estivesse completo? Só em 2018 tivemos quase 5 mil operações, evitando prejuízo de R$ 11 bilhões. Isso é duas vezes o orçamento da Polícia Federal. Todos os ministros da Justiça declararam garantir a autonomia da PF, inclusive o atual. Mas, na prática, continua havendo questionamentos públicos sobre interferências. Não seria o caso de finalmente garantir na Constituição Federal e nas leis essa autonomia, para que não fizesse sentido esse tipo de dúvida? Estariam protegidos o Ministro, a PF e a sociedade.
Como a PF chegou tão rápido a esses hackers?
Não tenho conhecimento específico das investigações, além do que foi divulgado pela imprensa. O que é importante afirmar é que é um engano achar que hackers não podem ser localizados. O crime cibernético sempre deixa rastros e a Polícia Federal conta com um aparato tecnológico e policiais capacitados, fruto da sua capacidade de ainda atrair excelentes cabeças no mercado de trabalho. Esperamos que ninguém diminua essa capacidade. O que falta muitas vezes para as operações serem mais rápidas é maior efetivo. Com um terço do quadro vago, é necessário descobrir alguns pontos para cobrir outros. Necessário priorizar casos graves, como este em que a própria segurança institucional foi ameaçada. A demora no envio para a PF de informações, em que o tempo é crucial para a investigação ou a falta de estrutura ,para que em todos os inquéritos o delegado possa ter uma equipe mínima de investigação .também são gargalos a serem superados no dia a dia da instituição, em que pese a PF manter índice de solução em seus inquéritos acima de 70% nos últimos quatro anos, desde que passou a ser medido.
O ministro Sérgio Moro sempre disse que havia uma conspiração contra a Lava-Jato. Onde esses hackers entram nisso?
Em verdade, toda grande operação que envolve os poderosos têm uma reação em todos os níveis. É uma defesa. Mas a Lava-Jato é baseada em provas robustas e que teve ratificação em outras esferas do Judiciário. No caso dos hackers, ainda é prematuro avaliar se há efetivamente uma ligação nisso. É preciso aguardar a finalização das investigações. Qualquer teoria agora, sem provas, não ajudará em nada nas investigações e cria um ambiente muito ruim. Temos total confiança nos delegados que estão conduzindo as investigações. A verdade vai aparecer.
Quem atacou Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba perdeu força nesse novo cenário desvendado pela PF?
Quem praticou os crimes certamente sofrerá todas as consequências penais, caso as provas obtidas sejam suficientes. Mas, neste momento, sequer é possível afirmar que a operação prendeu as fontes do site The Intercept. A investigação está em andamento.