A armadilha das corporações

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Leonardo Cavalcanti // Nos bastidores da política de Brasília, há uma certa descrença nos avanços da reforma da Previdência no governo Jair Bolsonaro. E não é muito difícil entender os motivos.
O primeiro, e mais óbvio, está na própria dificuldade de explicar a necessidade de mudanças de regras para boa parte da população. Trata-se de um dogma, digamos assim, que, como tudo de caráter superior, é indiscutível, quase impossível de ser comentado, quem dirá, alterado.
Mexer em pontos de aposentadoria é visto, por parte da população, como mexer com “velhinhos”, a parte mais frágil da pirâmide etária. O tucano Fernando Henrique Cardoso descobriu tal coisa tardiamente, depois de dois mandatos.
O capitão reformado e presidente eleito parece vacinado. Mas isso não é uma boa notícia, pois não resolve a equação fiscal prestes a estourar e a levar junto os brasileiros, de todas as idades.
O problema para o governante não é de fácil solução, pois precisa estar atento a dois fatores, distintos: popularidade na base da população e das corporações do funcionalismo civil e militar — caso decida reformar a Previdência — e desconfianças de investidores e do setor produtivo, caso decida relegar o problema.
Em meio a esses dois polos, sem qualquer atração, estão os parlamentares, que dançam conforme a música, mas sempre atentos aos sinais do eleitor. A dificuldade, para os integrantes do Planalto, é buscar um tradutor experimentado para convencer deputados e senadores a defenderem uma reforma que possa, a partir do equilíbrio das contas e da confiança dos investidores, render frutos eleitorais na hora do “vamos ver”, mais conhecido como a campanha de 2022.
Os conselheiros mais rasteiros de qualquer governo, assim, recomendam aprovar as medidas mais impopulares no início do mandato, na esperança de que, ao longo de uma gestão vitoriosa, tudo possa ser esquecido.
Maquiavel
Um dos conselhos de Maquiavel é que, em leitura livre, os príncipes devem executar, a partir de aliados, as medidas que possam lhes acarretar ódio, e executar por si mesmo aquelas que angariam as bênçãos dos súditos. De certa forma, Bolsonaro tem feito tal movimento.
Vide, por exemplo, a declaração da última sexta-feira, quando Bolsonaro falou sobre a atual reforma em tramitação no Congresso, proposta pelo governo Michel Temer: “Essa que está aí não está sendo justa no meu entender. Não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”. A questão é que o texto, mesmo sendo avaliado como injusto pelo presidente eleito, não atacou um dos principais pontos: a aposentadoria dos militares.
A força de integrantes do Exército, principalmente, poupou a caserna ainda na largada. E aqui chegamos à armadilha das corporações de Brasília, que pode se tornar ainda mais arrojada.
Sem uma reforma ampla, que estanque gastos com militares, na União, e com policiais militares, nos estados, a tendência de mudanças na regra é ser apenas incremental, passando longe de algo efetivo. A futura equipe econômica sabe de tal coisa — e inclusive tem na mesa um estudo próprio que inclui os militares —, mas percebe as dificuldades em convencer os parlamentares eleitos em aprovar um texto que inclua o pessoal da farda.
Além da força da bancada, que aumentou de maneira exponencial na última eleição, Bolsonaro tem um vice e alguns dos principais ministros originários da caserna. É pouco provável que essa turma deixe que uma proposta mais realista avance nos corredores do Congresso.
Livro
Especialista em políticas de segurança e combate ao contrabando, Vanessa Neumann acaba de lançar a versão em português do livro Lucros de sangue — como o consumidor financia o terrorismo (Editora Matrix, 320 páginas). Nascida na Venezuela e com atuação em Washington, onde vive e preside uma consultoria internacional de estratégias, Vanessa faz parte do grupo da força-tarefa da OCDE que atua contra o comércio ilícito. A obra, que, na nova edição, ganhou um capítulo sobre a Tríplice Fronteira, abordou a ascensão de grupos criminosos internacionais e foi lançada em Brasília na semana passada.
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Tags: Bolsonaro congresso livro neumann previdência

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