Em entrevista exclusiva ao CapitalS/A, Luciana Batista, a primeira mulher a assumir a presidência da empresa para o Brasil e Cone Sul, falou sobre os desafios de gestão em países com diferenças político-econômicas. Também reforçou a importância de apoiar mulheres a conquistarem cargos de poder
Por Samanta Sallum
Rio de Janeiro – Completando um ano na presidência da Coca-Cola Company para o Brasil e Cone Sul (Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile), Luciana Batista acaba de entrar na lista das 500 pessoas mais influentes da América Latina divulgada pela Bloomberg há 10 dias. É a primeira vez que a executiva, com mais de 20 anos de experiência corporativa, fez parte do grupo que reúne lideranças de diferentes segmentos da economia, dos negócios, mercado de capitais e da sociedade. Ela também é a primeira mulher, em 80 anos de atuação da Coca-Cola no Brasil, a assumir o cargo mais alto da empresa.
O desafio é manter o país como o 4º maior mercado da marca no mundo, com o crescimento da Índia que está em 5º neste ranking, mas sem estagnar. Tanto que o patamar de investimento no Brasil, ao ano, foi elevado de R$ 3 bilhões para R$ 4 bilhões.
“Eu brinco que só de proteger a posição do Brasil em 4º lugar já é uma grande desafio. Mas a gente vislumbra um crescimento bastante agressivo aqui nos próximos anos”, disse, a executiva, em entrevista ao Correio, no escritório da empresa no Rio de Janeiro, que ocupa um prédio na Praia de Botafogo. A base de Luciana é na sede em São Paulo, mas sempre viajando pelo Brasil e pelos países do Cone Sul.
O cargo exige lidar com a heterogeneidade dos negócios e cenários econômicos dos países que estão debaixo de seu guarda-chuva de gestão. Mãe de duas filhas, ela reforçou a motivação na empresa com projetos de sustentabilidade e, especialmente, de apoio ao empreendedorismo feminino de mulheres ligadas à cadeia da marca.
“Buscamos ser uma empresa que alinha resultados econômicos financeiros com resultados de impacto positivo para toda a sociedade”, afirmou. A executiva, antes de assumir o cargo na Coca-Cola, estava à frente do braço ESG da consultoria Global Bain e Company para a América do Sul. E falou sobre a questão de gênero no mundo corporativo.
“Acho que todas nós que conseguimos chegar nesse momento, como o meu, temos a obrigação de ajudar mais mulheres a também buscarem o que elas querem. A mulher tem que estar na posição e no lugar que ela quer ocupar”, frisou.
Confira a íntegra da entrevista:
O que considera como o maior desafio neste cargo?
Eu acho que é conseguir lidar com as diferenças de momentos político-econômicos de cada país. Então, é enfrentar, por exemplo, momentos que a Argentina tem, com o movimento de reestruturação econômica, lidar com hiperinflação, etc. É saber como navegar o negócio dentro de um cenário de contração de renda do consumidor, que é algo tão relevante para a nossa categoria. Saber entender o que cada país tem de melhor e lidar com as diferenças deles e adaptar a estratégia para cada um.
Como está o Brasil neste cenário ?
Estamos vivenciando aqui um momento bastante positivo para a companhia. E, mesmo sendo o 4º maior mercado, a gente vislumbra oportunidade de crescimento bastante grande, quando eu comparo com outros países da minha própria zona. Chile é uma referência em consumo per capita, por exemplo. A Bolívia é um país que a gente teve também uma trajetória incrível de crescimento nos últimos anos, baseada em investimento no país.
O mercado brasileiro pode se tornar o terceiro maior no mundo?
Tem muito potencial de crescimento. Não sei se para alcançar o nosso terceiro maior mercado no curto prazo. Mas, no mínimo, eu tenho que defender minha posição de 4º lugar, porque a gente tem outros mercados bastantes grandes, crescendo muito, por exemplo, Índia que é o 5º. Então, eu brinco de que só proteger o 4º lugar já é um desafio. O Brasil tem sido referência em crescimento em categorias, como a Coca- Cola Zero. E nos não carbonatados: sucos, águas, chás e Leão, que é nossa marca também.
Qual a estratégia para buscar esse crescimento e, em meio à reforma tributária, no Brasil Acreditamos tanto nesse crescimento que elevamos o patamar de investimentos do país para R$ 4 bilhões ao ano (antes era de R$ 3 bilhões). Então, a gente vislumbra um crescimento bastante agressivo nos próximos anos. Seja na capacidade produtiva, linhas, como frota de caminhões, estou falando como sistema Coca-Cola agora, distribuição também. O Brasil foi destacado como um dos países que realmente tem alavancado o crescimento na América Latina.
Esperamos que continue dessa forma e que a gente tenha uma movimentação futura aqui que mantenha os incentivos de alguma forma para seguir investindo.
Com a ampliação do leque de produtos, a Coca-Cola original já não é o que sustenta a empresa?
É difícil dizer isso, a nossa empresa é chamada Coca-Cola Company. Segue sendo a nossa principal plataforma, sem a qual a gente não conseguiria todo o crescimento das demais categorias. A gente segue crescendo bastante também com a marca principal.
O Brasil vem endurecendo as regras para o consumo de bebidas açucaradas, foi instituído o novo rótulo em bebidas e alimentos para alertar sobre a composição deles. Qual o impacto disso para a empresa?
A gente acredita que o consumidor é soberano e ele tem que ter as opções à mão para poder escolher o que ele quer consumir. Somos líder do setor de bebidas não alcoólicas, a gente tem o papel forte de conseguir colocar à disposição para o consumidor múltiplas opções, com e sem açúcar.
Quais projetos estão na pauta prioritária?
Em primeiro lugar, eu acho que é essa ambição que a gente tem de realmente ser pioneiro na agenda de resíduo e nossa a parceria com a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláves (Ancat). Nossa agenda também é de empoderamento econômico, como a do Instituto Coca-Cola em torno dos jovens. Mas eu também acho muito bacana os projetos que a gente tem do “Coca-Cola dá um gás no seu negócio”. O focado em mulheres é um projeto que muito me orgulha. A maioria das pequenas empreendedoras, donas dos pequenos varejos, são mais da metade dos nossos negócios são mulheres.
Qual a diferença de gestão que pretende imprimir na empresa?
Bom, em primeiro lugar, eu sempre trabalhei conectada com esse mundo de varejo e consumo. Então, é um setor que eu gosto muito.
Eu acho que toda marca que tem muita história traz consigo essa coisa forte da cultura, mas que também em alguns momentos precisa ser desafiada a pensar diferente.
Tenho trazido a experiência de ter trabalhado com múltiplas empresas.
Qual legado espera deixar como marca de gestão?
Deixar as bases para que a empresa cresça de forma sustentável. A sustentabilidade, por exemplo, das pessoas que estão trabalhando aqui que seja em um ambiente profissional em que se sintam crescendo; Então, esse olhar de como a gente consegue como companhia ser uma empresa que alinha resultados econômicos financeiros com resultados de impacto positivo para toda a comunidade também.
Enfrentou dificuldades por ser mulher para ascender no mundo corporativo?
Acho que todas nós que conseguimos chegar nesse momento, temos a obrigação de ajudar mais mulheres a também a buscarem o que elas querem. A mulher tem que estar na posição e no lugar que ela quer ocupar. E isso para mim eu vejo como responsabilidade. Pessoalmente, na minha época de consultoria, eu liderei estudos sobre temas de liderança feminina. Meu pai e minha mãe são físicos e sempre trabalharam na mesma carreira, então, eu sempre cresci num ambiente de igualdade. Mas quando você entra no ambiente de trabalho, que você começa a enfrentar talvez mais barreiras.
Quando percebeu essa diferença de tratamento?
Eu sempre conto que eu fui fazer meu MBA fora e quando eu ainda era jovem em início de carreira na minha época tinham só 20% de mulheres.
Eu lembro que quando eu fiz a prova, a pessoa que me avaliou comentou assim: “Você está com uma nota boa para uma mulher, é capaz de você passar”.
Eu lembro muito fortemente disso, porque foi um choque para mim. É verdade que no ambiente corporativo você ainda tem uma predominância de líderes homens, mas cada vez mais existem empresas comprometidas com essas causas da igualdade de gênero, que faz toda diferença, porque é o que realmente muda esse cenário.
A gestão de um mulher tem diferencial da de um homem na sua concepção?
Sem dúvidas têm perfis diferentes. E eu acho que é da diversidade dos pontos de vista que você tira as melhores ideias. Eu, como mulher, tenho percepções que, eventualmente, os homens não conseguem. É melhor ou é pior? Não necessariamente, sempre vai depender da ocasião, da demanda, do perfil da companhia. Mas, sem a diversidade, você nem tem como capturar e trazer diferentes pontos de vista. Nós mesmos, como companhia, há muitos anos já temos trabalhado no tema de realmente dar iguais condições para todos os profissionais terem oportunidades dentro da companhia.