Dilma prefere entregar seu governo para Lula do que ao vice-presidente Michel Temer. É uma espécie de renúncia velada aos poderes da Presidência
Como no ditado popular que intitula a coluna, o governo tenta minimizar o que é óbvio e verdadeiro: a importância dos protestos de domingo. A frase foi usada pelo vice-presidente Aureliano Chaves ao comentar o resultado das eleições de 1978, nas quais a oposição obtivera cerca de 15,18 milhões de votos, contra 10 milhões do partido governista, embora a Arena saísse do pleito com maior número de deputados e senadores do que o MDB, devido às mudanças nas regras do jogo feitas pelo chamado “Pacote Abril”. No ano seguinte, porém, começou a nossa lenta e gradual transição à democracia, com a aprovação da Lei da Anistia.
A entrevista do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ontem, sobre as manifestações de domingo não passou de uma tentativa de tapar o sol com a peneira. O petista fala como se as pessoas fossem “levadas pelo nariz” para as manifestações, pois avalia que os protestos foram segmentados e convocados por entidades empresariais e comerciais. “Sem desmerecer a manifestação, mas não me venha falar em espontaneidade. Nunca tivemos um protesto tão produzido, pelo menos no grande centro de São Paulo”, disse.
Há um certo cinismo nisso, uma vez que as manifestações pró Dilma são realizadas com militantes arrebanhados pela estrutura sindical por todo o país, com direito a diária, ônibus de graça, refeições, sob o comando de líderes encastelados há décadas nos sindicatos controlados pelo PT e seus aliados. Isso não acontece nos protestos convocados pelas redes sociais. Mesmo assim, as manifestações de apoio à presidente Dilma, convocadas pelo PT para o próximo dia 18 em todo o país, testarão a capacidade de reação dos militantes petistas.
Na verdade, os protestos provocaram uma mudança na correlação de forças no Congresso, o que assusta o governo, pois pode resultar na aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A nomeação de Lula para comandar a articulação política do governo seria a única alternativa para evitar esse desfecho imediato da crise. “Se Lula vier, ele vai seguramente cuidar do que mais conhece, que é política”, disse Wagner. Segundo o ministro, “todo mundo quer que ele venha”.
Rainha da Inglaterra
Esse “todo mundo” significa que a presidente Dilma prefere entregar seu governo para Lula do que ao vice-presidente Michel Temer. É uma espécie de renúncia velada aos poderes da Presidência: Dilma desempenharia o papel de Rainha da Inglaterra, pois os demais ministros passarão a seguir a orientação de Lula até por gravidade. Tudo indica que Lula aceitará o cargo durante conversa com Dilma prevista para hoje. É uma aposta válida para ambos, porque tanto um quanto o outro estão encurralados, embora o ex-presidente tenha mais a ganhar do que a perder.
A dúvida de Lula quanto aceitar ou não um cargo no governo decorria da decisão a ser tomada pela juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga em relação ao seu pedido de prisão apresentado pelo Ministério Público de São Paulo. Ela resolveu remeter o processo para o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Segundo a juíza paulista, os crimes denunciados são federais e não estaduais, há numa investigação em curso sobre eles na Justiça Federal e caberia a Moro desmembrar o processo, caso entenda que algum crime seja de âmbito estadual. Lula quer ver o diabo na frente, mas não quer ser julgado por Moro.
Não foi à toa que Wagner, durante a entrevista, usou e abusou de expressões que fazem alusão ao juiz federal. Disse que “tem gente babando sangue” na busca de atingir o petista e que “Lula virou um troféu”. Além de salvar a presidente da República do impeachment, a entrada da maior estrela petista no governo traria duas vantagens: o primeiro é restabelecer o foro privilegiado do ex-presidente da República, o que faria com que seu processo saísse da alçada de Moro; o segundo, alavancar sua candidatura a presidente da República em 2018, que começa a fazer água por causa do desgaste do governo.
Caso se confirme a entrada de Lula no governo Dilma, a oposição estará diante de um adversário mais competente e popular do que a presidente, disposto a dar uma guinada populista aos rumos do governo para neutralizar os efeitos da crise econômica junto aos eleitores de baixa renda, que começam a ser contaminados pela insatisfação da classe média. Essa mudança levará a radicalização política a um novo patamar, mas não há garantia de que isso vá resolver a crise econômica. Muito menos barrar a Operação Lava-Jato.