Mário de Andrade voltou ao tema em Macunaíma e usou a frase “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são” como metáfora, numa referência à formiga, ao descaso com a saúde pública e à roubalheira dos políticos
É do naturalista francês Auguste Saint-Hilaire (1789-1853), no livro Viagem à Província de São Paulo, de 1822, a famosa frase “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Mais tarde Mário de Andrade voltou ao tema em Macunaíma e usou a frase “ saúde e muita saúva, os males do Brasil são” como metáfora, numa referência à formiga, ao descaso com a saúde pública e à roubalheira dos políticos. Mas foi Monteiro Lobato que a notabilizou, durante o Estado Novo (1937-1945), ao liderar uma campanha contra o atraso generalizado nas zonas rurais de nosso país.
“Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”, foi o mote da campanha do Ministério da Agricultura na década de 1940. Não aconteceu nem uma coisa nem outra, na guerra entre duas formas de vida organizadas: a dos homens e a das formigas. É mais ou menos a mesma situação que vamos enfrentar em relação à campanha contra o Aedes aegypti, que a presidente Dilma Rousseff transformou em tábua de salvação de seu governo, todo ele mobilizado para uma grande operação de caça ao mosquito por causa da tragédia humana que é a epidemia de zika virus.
Para que a zika ocorra, como a dengue e a chikungunya (febre originária da Tanzânia, que afeta as articulações), são necessários três componentes: o vírus que causa a doença, o mosquito, que transmite o vírus (chamado vetor da doença) e uma pessoa susceptível (que nunca teve contato com o sorotipo de vírus que está sendo transmitido pelo vetor). Tudo indica, embora ainda não esteja plenamente comprovado, que o vírus se tornou mais agressivo e está provocando, ao infectar mulheres grávidas, grande número de casos de bebês que nascem com microcefalia.
O mosquito fêmea ( apenas as fêmeas picam, para amadurecer seus ovos) se torna infectada quando suga o sangue de alguém doente, no curto período em que esta pessoa tem várias partículas do vírus circulando em seu sangue. Entre 10 e 12 dias depois, as partículas do vírus dengue se disseminam pelo organismo do A. aegypti, se multiplicam e invadem suas glândulas salivares: neste momento, o mosquito fêmea se torna infectivo e, somente a partir daí, poderá transmitir o vírus a outra pessoa.
Ao mesmo tempo em que pica para sugar o sangue, o Aedes cospe saliva, que tem uma série de substâncias analgésicas e anticoagulantes, que o ajudam a não ser notado e a conseguir sugar o maior volume possível de sangue. Neste processo, as partículas de vírus são injetadas na corrente sanguínea da pessoa, junto com a saliva do mosquito.
Um percentual muito pequeno de A. aegypti está infectado com o vírus dengue, pois nem todas as fêmeas picam uma pessoa com o vírus dengue ou nem todos os mosquitos que picam alguém com o vírus da dengue conseguem sobreviver até o momento em que se tornam infectivos. O esforço das fêmeas para sobrevivência da espécie, por isso, ocorre em dois momentos: para procurar uma fonte de sangue (necessário para amadurecer os ovos) e para depositar seus ovos (que precisam do ambiente aquático para eclodir e se desenvolver para os estágios de larva, pupa e, finalmente, mosquito).
Assim, quanto maior a disponibilidade de locais para que as fêmeas depositem seus ovos, maior a chance de ter uma população longeva de mosquitos – e maior a chance de encontrar mosquitos infectivos, capazes de transmitir a dengue. Em outras palavras, agindo para eliminar os criadouros potenciais do mosquito, estamos dando a melhor contribuição possível para colaborar com a diminuição das epidemias de dengue.
Epidemia
Os sanitaristas em geral e o governo em particular sabem de tudo isso, ou seja, que no períodos das chuvas a infestação dos mosquitos em busca da preservação da espécie é muito maior, pois abundam os depósitos de água parada para a formação de criadores dos mosquitos, que vão se reproduzir um ano depois. Por isso mesmo, as epidemias são cíclicas e previsíveis, podendo ser combatidas de forma sistemática e com antecedência. Mas a eliminação total dos mosquitos, como já se tentou duas vezes, é praticamente impossível. Ele tem grande capacidade de adaptação e, além disso, nos períodos de seca, restam as caixas e reservatórios domiciliares d’água.
As contrário do que acontece na maioria das cidades europeias, por exemplo, onde o abastecimento das residências é feito de forma contínua e por declividade, a partir de reservatórios em pontos elevados, o Brasil é o país da caixa d´’água. O sistema de abastecimento é feito por bombeamento, de forma descontínua e obriga os cidadãos a reservar a água para todo tipo de consumo, o que causa grande desperdício e favorece a proliferação de doenças, além do mosquito, é claro.
É óbvio que a campanha feita pelo governo, mobilizando todos os seus recursos humanos, para conscientizar e mobilizar a população contra o mosquito, ou melhor, a mosquita, como diz a presidente Dilma, é necessária e terá resultados muito positivos. Mas, infelizmente, não resolverá o problema, embora a curva da epidemia, com o fim das chuvas, deixe essa falsa impressão. Para isso é preciso melhorar o saneamento e produzir vacinas contra as doenças. A outra alternativa seria disseminar um mosquito transgênico, ou seja, geneticamente modificado, já produzido no Brasil e aprovado pela CNTBio, que torna infertéis as fêmeas. Milhões deles já estão voando em Piracicaba (SP) e Juazeiro (BA), mas há muitas dúvidas sobre as consequências que isso pode ter, porque o mosquito pode passar por outra mutação genética para sobreviver. Seu sequenciamento genético mostrou que o Aedes aegypti surgiu há 150 milhões de anos, de uma mosca de fruta que sofreu mutação. É tão antigo e resistente quanto as formigas.
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