“Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não me vejam e nem em pensamentos eles possam me fazer mal”
Parece até provocação. Uma semana depois da polêmica “condução coercitiva” determinada pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, os procuradores paulistas Cássio Canserino, José Carlos Brat e Fernando Henrique Araújo pediram a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quebra de seu sigilo bancário e a retenção de seu passaporte com o argumento de que ele pode destruir provas, fugir da aplicação da lei e tumultuar o processo com sua rede política. O caso será analisado pela juíza Maria Priscila Veiga Oliveira, que pode ou não aceitar a denúncia e o pedido de prisão.
Tudo isso por causa do rolo em que Lula se meteu no caso do tríplex de Guarujá, cuja propriedade nega, mas que os promotores afirmam ter provas materiais e dezenas de testemunhos de que o imóvel seria mesmo do ex-presidente da República. O apartamento do Edifício Solaris faz parte do escândalo envolvendo a Bancoop, a cooperativa dos bancários paulistas, e a empreiteira OAS. O ex-presidente é acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Sua mulher Marisa Letícia e um dos filhos do casal, Luís Cláudio, são acusados de lavagem de dinheiro.
Também foram pedidas as prisões do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, e de mais quatro pessoas, dois executivos da OAS e dois dirigentes da Bancoop. Lula é acusado pelos promotores de “cegueira deliberada”, ou seja, de fazer de conta que não sabia da origem ilícita dos recursos: “ignorou a origem delituosa dos valores empregados no condomínio e que lhe deram um benefício patrimonial”. Na linguagem popular, seria uma espécie de São Jorge de bordel.
O pedido de prisão de Lula pôs mais lenha na crise política e assustou os principais líderes de oposição, a ponto de os representantes do PSDB e do DEM criticarem os procuradores por essa atitude. Nas redes sociais, incendiou ainda mais a reação dos petistas em relação à Operação Java Jato, embora o processo paulista corra paralelo às investigações sobre o escândalo da Petrobras. Também serviu para animar os organizadores da manifestação contra Dilma Rousseff convocada para o próximo domingo, além de incentivar a reação dos petistas que querem confrontar os “coxinhas” para intimidá-los e esvaziar os protestos. Ou seja, o caldeirão da crise política está fervendo.
No plano institucional, o pedido de prisão pôs uma saia justa no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na quarta-feira à noite havia sido convidado a escolher um cargo no ministério pela presidente Dilma Rousseff. O PT articula a ida de Lula para o governo com objetivo de matar dois coelhos com uma só cajadada: evitar seu colapso político e tirar o líder petista da alçada do juiz Sérgio Moro, pois passaria a ter foro privilegiado. A manobra política, porém, pode ser interpretada como uma tentativa de obstruir a ação da Justiça, o que agravaria a situação de Lula, que ficou de decidir se vai para o governo ou não na segunda-feira.
A juíza Maria Priscila não gostou do estardalhaço sobre o caso, pois costuma ser muito discreta. Formada no Largo de São Francisco, na tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tem 17 anos de magistratura. Ninguém sabe o que ela vai decidir, mas já sofre forte pressão política. O processo tem 36 volumes e ela pode levar algumas semanas estudando o caso. Advogados e juristas consideram o pedido de prisão preventiva de Lula desnecessário, o PT o considera uma atentado fascista à democracia. A leitura do pedido de prisão de Lula passa a impressão de que não é uma peça jurídica consistente, mas uma reação política do Ministério Público paulista às ações e declarações do PT e do Instituto Lula em relação ao processo.
A propósito, o caso do tríplex – como o de Atibaia, que é investigado pela Operação Lava Jato – é uma investigação mais profunda do que as pessoas imaginam. Tem uma conexão com o escândalo da Petrobras, envolvendo até o doleiro Alberto Yousseff, por causa das operações para incorporação e financiamento dos imóveis, com dinheiro desviado da Petrobras e recursos oriundos do FGTS. Caso seja provado que o imóvel é efetivamente de Lula e não da OAS, o ex-presidente da República estará enredado, inexoravelmente, na Operação Lava-Jato. O mesmo vale para o sítio de Atibaia, por causa das reformas feitas pela Odebrecht.
Trata-se, a rigor, de uma investigação criminal. Mas tudo que envolve a Operação Lava-Jato tem forte conotação política. O discurso adotado pelo ex-presidente Lula e pelo PT para politizar o processo e se defender acaba por confrontar o Judiciário. Tanto o juiz Sérgio Moro como, agora, a juíza Maria Priscila são autoridades constituídas, com atribuições e prerrogativas constitucionais muito bem definidas. Sem foro privilegiado, Lula tem que se submeter à autoridade judicial de primeira instância, antes de recorrer às instâncias superiores, que podem corrigir eventuais excessos, injustiças e omissões no processo. Manda o cerimonial que Lula seja tratado como Senhor Presidente em qualquer evento oficial, pois é o maior cargo que já ocupou, mas isso não lhe tira a condição de simples cidadão perante a Lei.
Veja caso Bancoop: