Robin Hood e o pacote fiscal de Haddad

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A primeira especulação contra a proposta de reforma no imposto de renda é de que a medida é eleitoreira e tem por objetivo pavimentar a reeleição de Lula

Ao anunciar o pacote de ajuste fiscal simultaneamente a mudanças no imposto de renda, que isentam quem recebe até R$ 5 mil e sobretaxam os acima de renda de R$ 50 mil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva libertou o gênio que estava preso na garrafa e, agora, gera toda sorte de especulações sobre as eleições de 2026. Seu propósito era mitigar os desgastes provocados pelos cortes de gastos preparado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma espécie de Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos mais pobres.

O mítico personagem medieval é considerado um herói na Inglaterra e ganhou as telas do cinema ao menos uma dezena de vezes. Errol Flynn (1938), Sean Connery (1976), Kevin Costner (1991), Cary Elwes (1993), Russel Crowe (2010), Taron Egerton (2018) e um raposão antropomorfizado da Disney já interpretaram o personagem do folclore saxão, que também foi objeto de estudos do historiador britânico Eric Hobsbawn (!917-2012), no livro “Bandidos”, que trata do fenômeno por ele denominado de banditismo social. Uma caraterística singular do feudalismo na Inglaterra foi a tradição de justiça popular saxã.

O contexto é a divisão da Inglaterra entre saxões e normandos, que detêm o poder, enquanto o rei Ricardo Coração-de-Leão lidera uma Cruzada, na qual seria derrotado. Robin Hood é um nobre saxão injustamente condenado por defender um camponês. Considerado fora da lei, foge para a floresta, adota o nome de Robin Hood e forma um bando de leais amigos (João Pequeno, Frei Tuck, Allan Dale e Will Scarlet), para fazer justiça social por conta própria. Ao final, casa-se com Lady Marian, sobrinha de Ricardo e se torna um nobre cavaleiro. Ainda hoje, a história passa de pais para filhos no Reino Unido.

Mas voltemos ao pacote. A primeira especulação contra a proposta de reforma no imposto de renda é de que a medida tem por objetivo pavimentar a reeleição de Lula, tese adotada no mercado financeiro. O economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), por exemplo, tem essa compreensão. O objetivo de Lula seria seduzir o eleitorado de classe média, com renda de R$ 3 mil a R$ 5 mil, para compensar o desgaste do corte de gastos.

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O problema, segundo Pessôa, é que a medida está sendo proposta num momento de desequilíbrio das contas públicas e tende a agravar esse quadro, provocando aumento de inflação no país. Tão logo a proposta foi anunciada, o dólar disparou e chegou a valer mais de R$ 6 na quinta-feira (28/11). Isso deve encarecer produtos importados ou produzidos no Brasil e cotados internacionalmente, o que inclui os alimentos. “A pior coisa, para os pobres, é bagunça macroeconômica”, afirma Pessôa, um economista liberal, que defende austeridade fiscal e aumento da eficiência do setor público.

Segundo Pessôa, “uma crise fiscal contrata inflação, desorganização de emprego, outras coisas que são muito ruins”, como aconteceu entre 2014 e 2016, no segundo mandato de Dilma Rousseff. O colapso da “nova matriz econômica” adotada pela ex-presidente é um fantasma que ronda o governo Lula, ao lado da narrativa do “golpe”. O impeachment de Dilma foi um processo constitucional, com julgamento presidido pelo atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

Chapéu de pena

A proposta de aumentar a isenção do imposto de renda veio junto com outras medidas de cortes de gastos. O pacote anunciado por Haddad, porém, foi considerado insuficiente para alcançar o objetivo de economizar R$ 70 bilhões em dois anos, devido à tendência de crescimento de despesas obrigatórias, como aposentadorias, com taxas acima da expansão econômica do país.

A disparada do dólar provocou a revisão de investimentos e gerou mais incertezas. A proposta de mudança no imposto de renda zera o jogo fiscal na planilha da equipe econômica, mas o mercado interpretou a proposta politicamente. Avalia-se que o Congresso aprovaria o aumento da faixa de isenção até R$ 5 mil, porém, não sobretaxaria os mais ricos, com o aumento do imposto para quem tem renda acima de R$ 50 mil, o que provocaria mais déficit público.

Seria como convidar o peru para a ceia de Natal. O dólar só parou de subir quando os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AÇL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em comum acordo com Haddad, anunciaram que as propostas sobre o imposto de renda somente seriam examinadas em 2026. O freio de arrumação foi completado pela revisão dos bloqueios na Educação (R$ 3.041,3 milhões), Saúde (R$ 4.388,8 milhões), Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (R$ 1.038,9 milhões), Integração e do Desenvolvimento Regional (R$ 945,3 milhões), Defesa (R$ 606,6 milhões) e Cidades (R$ 2.471,6 milhões), dentro das metas do arcabouço fiscal deste ano. Espera-se que o mercado se acalme. Veremos nos pregões de amanhã.

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Entretanto, o mercado político, digamos assim, continuará agitado. A proposta do imposto de renda antecipou as especulações eleitorais, em meio ao avanço das investigações sobre a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023, nas quais o ex-presidente Jair Bolsonaro está cada vez mais enrolado. Lula sempre defendeu o aumento de impostos para os super ricos. Agora, faz uma proposta para atender à classe média: isentar do imposto de renda quem recebe até R$ 5 mil. Hoje, a isenção vai até R$ 2.259,20. Lula candidato é o gênio fora da garrafa. Pôs na cabeça o chapéu de pena do Robin Hood.

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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