Trump produziu um coquetel que mistura a aversão cultural conservadora ao americanismo, a velha retórica anti-imperialista de esquerda e a antipatia das forças mais democráticas e progressistas
Segunda cidade da Pensilvânia, Pittsburgh foi o maior polo siderúrgico e o maior produtor de aço do mundo entre 1930 e 1950. Também ficou conhecida como Cidade da Fumaça, até que suas velhas siderúrgicas fecharam ou foram transferidas para a China, porque eram muito poluentes e a cidade resolveu se reinventar. A partir de 1970, foram substituídas por algumas empresas de alta tecnologia, da robótica e da biotecnologia. A cidade hoje é chamada de Roboburgh, porque sua produção de robôs somente perde para o Japão. Seu plano diretor é um grande “case” de política de desenvolvimento urbano.
O sentido da declaração do presidente norte-americano Donald Trump, quando fala que que foi eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh e não os de Paris, ao anunciar o rompimento do acordo do clima, é muito contraditório. A indústria de alta tecnologia nos Estados Unidos vai muito bem, obrigado; e se beneficia do Acordo de Paris. Trump está se referindo, porém, à velha indústria siderúrgica norte-americana, economia que pretende ressuscitar.
Localizada às margens dos rios Ohio e seus afluentes Allegheny e Monongahela, a cidade está muito próxima de antigas reservas de carvão e tem uma excelente logística de transporte para cargas pesadas, pois a produção pode ser escoada pelo rio Mississípi para o Golfo do México e para o Oceano Atlântico. Trump subordinou a política externa da maior potência do planeta às promessas de campanha que fez para os metalúrgicos e os mineiros, a velha classe operária em extinção da região. tanto que o prefeito local, o democrata Bill Peduto, de pronto reiterou apoio ao Acordo de Paris e disse que Trump não representa os cidadãos de Pittsbugh.
O rompimento do Acordo de Paris, que somente não foi assinado pela Nicarágua e a Síria, é uma espécie de “pare o mundo, que eu quero descer”. Ou seja, Trump pretende interromper a marcha da globalização e a chamada quarta revolução industrial (a siderurgia foi a principal indústria da segunda revolução). Essa política não tem a menor chance de dar certo, haja vista a forte reação contrária dos demais líderes mundiais, e também de governadores, prefeitos e líderes empresariais norte-americanos, inclusive das indústrias automobilística e do petróleo, que supostamente seriam beneficiadas por sua decisão. A antipatia por Paris (a cidade, não o acordo), porém, tem um ingrediente mais sutil, que reflete a sua xenofobia. Remete-se à velha disputa com os franceses pelo controle de Pittsburgh.
Antes da colonização, a região era habitada por iroqueses e hurões, que acabaram expulsos pelos iroquois, ferozes guerreiros e aliados dos franceses. Era uma espécie de terra de ninguém entre a Nova França e as Treze Colônias britânicas. Em 1740, os franceses partiram de Quebec para ocupar a região, monopolizando o comércio de peles com os iroquois. Rapidamente, as relações com os colonos britânicos da Pensilvânia se deterioraram, provocando a guerra franco indígena. Depois de três derrotas para os franceses, os colonos britânicos, sob a liderança de George Washington, construíram um novo forte na confluência dos rios Allegheny e Monongahela. Em torno do Forte Pitt, surgiu a cidade, que se tornou sede do condado de Allegheny. Mais tarde, Washington foi o líder da Independência dos Estados Unidos e seu primeiro presidente.
Antiamericanismo
Ao dizer que governa para Pittsburgh e não para Paris, a mais cosmopolita das cidades europeias, Trump provocou os franceses, mas sua decisão exacerbou o velho antiamericanismo que o ex-presidente Barack Obama, num esforço de Sísifo, tentou enterrar durante dois mandatos. Não apenas o antimearicanismo atávico, existente no mundo árabe ou da esquerda latino-americana, mas a secular antipatia europeia de que nos fala o falecido historiador britânico Tony Judt (Quanto os fatos mudam, Editora Objetiva), de Charles Dickens, Alexis Tocqueville, Sthendal, Baudelaire e Sartre.
E também o novo antiamericanismo, que não se deixa perturbar por produtos americanos ou pela aversão e inveja provocadas pelo “American way of life”, mas resulta da oposição à política externa dos “falcões” do Departamento de Estado e do complexo militar-industrial norte-americano. Essa política, gestada durante a Guerra Fria, teve seu o seu auge no governo do presidente Bush, o filho, após o 11 de setembro, com a invasão do Iraque.
A política externa de Donald Trump, ao rejeitar o Acordo de Paris, acaba de exumar essa rejeição. No seu ataque aos franceses, que são grandes aliados dos Estados Unidos na Otan, Trump produziu um coquetel que mistura a aversão cultural conservadora ao americanismo, a velha retórica anti-imperialista de esquerda e a reação das forças mais democráticas e progressistas.
Nesse ambiente hostil, apesar de todo o seu poderio bélico e econômico, os Estados Unidos ficaram mais fracos. Na corrida mundial para reinventar o Estado, a política e a economia deram um gigante passo atrás. O velho antiamericanismo, porém, não faz bem ao mundo. Dificulta a compreensão do processo de globalização, a luta pela preservação do planeta e a construção de uma economia sustentável. Alimenta a xenofobia europeia e o nacionalismo nos países emergentes, inclusive aqui no Brasil.
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