O presidente dos EUA não esconde a simpatia pelos líderes nacionalistas europeus. Mas será mesmo que pode barrar a globalização?
Trump assumiu o poder com o pé no acelerador. Começa a pôr em prática as promessas de campanha, inclusive aquelas que eram consideradas absurdas e demagógicas, como a construção do muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, depois de detonar o acordo de livre comércio com o vizinho hispânico e o Canadá. É uma grande ironia, uma vez que os Estados Unidos sempre se opuseram à existência do Muro de Berlim, construído pela União Soviética, para separar as duas Alemanhas durante a Guerra Fria.
Também implodiu a Aliança do Pacífico, um pacto comercial com países asiáticos cujo objetivo era contrabalançar a crescente hegemonia chinesa na região, e detonou as relações com os países europeus. O novo presidente dos Estados Unidos, o homem mais poderoso do mundo, nacionalista e xenófobo, quer deter a globalização. Por muito pouco, não nos lembra Charlie Chaplin na cena antológica de O grande ditador.
O discurso de Trump se aproxima ao dos críticos tradicionais da globalização, os nacional-desenvolvimentistas. Por outra ironia do destino, a postura de Trump na política mundial foi questionada pelo presidente da China, Xi Jinping. O líder comunista lançou farpas em direção ao novo presidente dos Estados Unidos. Defendeu uma política comercial de portas abertas, o acordo de Paris e disse que o comércio mundial é como “um oceano do qual ninguém pode sair”. Talvez esteja aí o grande busílis na nova situação internacional.
No século passado, duas guerras mundiais ocorreram em razão da disputa estabelecida entre a Inglaterra e a Alemanha pelo controle do comércio mundial, cujo eixo era o Oceano Atlântico. Neste século, o fluxo comercial se deslocou para o Pacífico. A disputa é entre a China, uma potência continental como a Alemanha, e os Estados Unidos, potência marítima que substituiu a Inglaterra. Como será o desfecho dessa disputa, que protagoniza o redesenho da divisão internacional do trabalho? Os Estados Unidos lideram a produção de conhecimento e de tecnologia; a China, a produção de bens de consumo não duráveis, enquanto corre atrás do desenvolvimento científico e tecnológico.
Trump também meteu a colher na Europa, cujas potências tentam preservar seu lugar no mundo sob fortes pressões nacionalistas e xenófobas. Depois de bater boca com a primeira-ministra alemã Ângela Merkel, estreitou relações com a nova primeira-ministra britânica, Theresa May, que sexta-feira foi recebida na Casa Branca. Os dois concordaram em aumentar a cooperação militar e econômica entre os dois países e discutiram os passos que podem tomar para facilitar acordos entre empresas dos dois países. Não estão afinados quanto a Rússia, com quem Trump espera ter uma “fantástica” e “positiva” relação, apesar do conflito na Ucrânia.
“Americanismo”
Salvar a velha indústria e restabelecer os empregos tradicionais nos Estados Unidos, eis o desejo de Trump. Fechar as fronteiras para os imigrantes, como anunciou na sexta-feira em relação aos refugiados de sete países — Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen — é a antítese do chamado sonho americano.
América primeiro: “Todas as decisões sobre o comércio, a tributação, a imigração, assuntos externos serão tomadas para beneficiar os trabalhadores americanos e as famílias americanas. Temos de proteger nossas fronteiras da devastação que outros países causaram ao produzir nossos produtos, roubar nossas empresas, destruir nossos empregos. Proteção trará maior prosperidade e força (…). A América começará a vencer novamente, a vencer como nunca antes.”
O presidente dos EUA não esconde a simpatia pelos líderes nacionalistas europeus. Mas será mesmo que pode barrar a globalização? Para alguns, ela seria fruto de uma política das “potências imperialistas”, mas a maioria acredita que é fenômeno objetivo, uma característica do capitalismo. Seu desenvolvimento, com a robotização e a inteligência artificial, coloca em xeque o emprego e o trabalho. Como reverter esse processo sem andar de marcha à ré? O colapso do chamado “socialismo real” teve como uma de suas principais causas a superação do taylor-fordismo pelos sistemas flexíveis e pelo toyotismo. Vai ser difícil um cavalo de pau na economia americana, principalmente na indústria, sem correr os mesmos riscos de ficar para trás.
É possível o fim do “americanismo”? Do ponto de vista do consumo, a mudança de estilo de vida dos americanos é uma premissa para a construção de um mundo mais sustentável; mas, do ponto de vista dos costumes, já não dá para acreditar, pois isso significaria abrir mão da liberdade. Na verdade, Trump representa o que há de mais obsoleto e predatório nos Estados Unidos.
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