O país no nevoeiro

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Os instrumentos tradicionais da política monetária não são suficientes para controlar a inflação. Mesmo os economistas liberais já não acreditam nisso

O poema épico Nevoeiro, de Fernando Pessoa, ilustra bem a situação que o Brasil está passando. É o último de sua obra mais importante, Mensagem, no qual o genial poeta português resgata o passado de glórias de Portugal na tentativa de contribuir para que a nação superasse a decadência econômica e a desorientação política em que se encontrava. Lançada em 1934, a obra é dividida em três partes: Brasão, na qual canta a formação da nacionalidade, os heróis lendários e históricos; Mar Português, que narra as descobertas, a aventura marítima e a conquista do Império; e O Encoberto, a decadência e a esperança, impregnada de “sebastianismo”. Modernista, Pessoa dialoga com o renascentismo de Os Lusíadas, a obra-prima de Luís Vaz de Camões. Nevoeiro é o último dos 44 poemas de Mensagem:

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!

O poema serve de metáfora para a crise política (Nem rei nem lei), de valores (Ninguém conhece que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem) e de identidade (Tudo é incerto e derradeiro/ Tudo é disperso, nada é inteiro) que Portugal atravessava na época, mas serve de boa analogia para os problemas que estamos enfrentando. O primeiro deles é a falta de liderança da presidente Dilma Rousseff para conduzir o país a um porto seguro. Sem apoio popular e credibilidade, a presidente da República não consegue oferecer uma alternativa efetiva para a crise. Tudo fica no blablablá.

A crise de valores é o segundo grande problema, desnudado pela Operação Lava Jato. As iniciativas no sentido de barrar as investigações sobre o escândalo da Petrobras mostram que a fronteira entre o mal e o bem no mundo político deixou de existir, pois as iniciativas do governo são todas no sentido de dificultar ou esvaziar as investigações. A mais recente foi revelada ontem: o relator da polêmica medida provisória dos acordos de leniência, deputado Vicente Cândido, quer conceder anistia aos proprietários e executivos condenados na Operação Lava-Jato caso suas empresas façam os acordos e restituam o dinheiro desviado ao Erário. O grande objetivo da medida provisória é permitir que essas empresas continuem prestando serviços ao governo.

A crise de identidade dos partidos políticos é o terceiro, a principal delas representada pelo “transformismo” petista, que passou a operar a política como balcão de negócios. Nada mais natural no capitalismo, mas esse papel caberia um partido conservador, tradicional, e não a um partido que chegou ao poder com um discurso “classista”. Essa crise se agrava ainda mais porque estabelece um conflito entre a política praticada pelo governo e as reivindicações dos movimentos sociais que ainda lhe dão sustentação.

A crise econômica, porém, se aprofunda e dela emerge a crise social. Com recessão de quase 4%, inflação acima de 10% e taxa de desemprego da ordem de 9%, o governo não sabe para que lado pretende ir. Os instrumentos tradicionais da política monetária já não são suficientes para controlar a inflação. Mesmo os economistas liberais já não acreditam nisso, em razão do fato de o governo insistir em gastar mais do que arrecada. Por isso, o Banco Central terá que fazer uma escolha de Sofia: aumentar ou não os juros, que já estão em 14,25% (Selic) e podem passar a 14,50%. Se não aumentar, será sócio da inflação alta; se o fizer, do desemprego. A missão do BC, porém, é controlar a moeda.Se não cuidar disso, quem o fará?
O governo, porém, continua recorrendo a subterfúgios para gastar mais do que deveria. Desconsidera o fato de que esse não é apenas um problema legal, que pode inclusive motivar a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas um fator de desequilíbrio econômico e desestabilização da moeda. Pagou as “pedaladas fiscais” de 2014 e 2015, num total de R$ 55 bilhões, com recursos da “Conta Única” do Tesouro no Banco Central. Transformou em moeda circulante os superavits financeiros de diversos contas de fundos federais, que agora serão gastos como o governo quiser. O saldo da “Conta Única” é de R$ 1 trilhão. É muita tentação!

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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