A iniciativa de ressuscitar o Conselhão, anunciada ontem, aposta num atalho para restabelecer a confiança da sociedade no governo
Um dos fatores de descrédito do atual governo é a incapacidade de mudar seu modus operandi. Há uma correlação óbvia entre o modo de agir e pensar da presidente Dilma Rousseff e os resultados desastrosos do seu governo. Reconhecer esses resultados é inevitável para o Palácio do Planalto — afinal, os fatos são teimosos —, mas daí a aceitar que o modo de agir e pensar da chefia fazem parte do problema são outros quinhentos.
É nesse aspecto que a iniciativa do Palácio do Planalto de elaborar um documento sobre a economia, que será mais uma declaração de intenções, e submetê-lo à discussão do chamado Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, para resgatar a confiança de empresários e investidores, tem tudo para dar errado. Será um repeteco de um modelo de gestão que desaguou no “mensalão” e, depois, fomentou o surgimento do “petrolão”.
No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, o atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, foi o responsável pelo funcionamento do Conselhão. Talvez por isso, e por sua forte influência na nova equipe ministerial, o órgão de assessoramento da Presidência esteja sendo reativado. O papel do Conselhão foi usurpar do Congresso a mediação da “grande política”, que passou a ser debatida sem intermediários pelo presidente Lula com líderes empresariais, representantes dos movimentos sociais e personalidades influentes do mundo corporativo. Ao Congresso, cabia apenas homologar suas decisões e se engalfinhar na “pequena política” do toma lá dá cá.
O rolo compressor governista no Congresso foi azeitado pelo “mensalão”, partindo-se do princípio de que era mais fácil manter a base governista com emendas, cargos comissionados e um “por fora” do que incorporar as lideranças dos partidos ao processo decisório nas questões de Estado e de governo. Vivia-se, naquela ocasião, uma situação muito parecida com a atual, do ponto de vista da composição da base, principalmente porque o PMDB estava dividido. O grupo Sarney-Renan, na base do governo, controlava o Senado; e a bancada da Câmara, dividida, trocava de líder a cada abaixo-assinado, com o presidente da legenda, Michel Temer, na oposição.
No segundo mandato, com a economia em expansão e o chamado Plano de Aceleração do Crescimento, aperfeiçoou-se o sistema de financiamento da hegemonia petista e sua base, à margem do Conselhão, com a formação do cartel de empreiteiras que mergulhou de cabeça no projeto do pré-sal e emergiu com o “petrolão”. O funcionamento do colegiado passou a ser mera formalidade, até porque seu principal condutor, o então ministro Jaques Wagner, havia sido eleito governador da Bahia e já não fazia o meio de campo com os integrantes do órgão.
A entrada de grandes empreiteiras e empresas de energia, inclusive estrangeiras, no esquema do “petrolão” elevou a um novo patamar o sistema de superfaturamento de obras e serviços, desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro operado pela cúpula do PT, cujos tesoureiros foram presos. A mediação com as grandes empreiteiras e outras empresas agregadas ao “cluster” passou a ser feita por diretores e gerentes da Petrobras, empreiteiros e executivos de empresas e lobistas a serviço de um círculo poderoso de políticos com poder de mando na base do governo, principalmente do PT, PMDB e PP, que agora estão sendo investigados pela Operação Lava Jato.
Àquela altura do campeonato, o Conselhão já era. As grandes decisões do governo envolvendo os projetos de investimento e políticas fiscais em relação aos demais setores dinâmicos da economia eram tomadas pelo presidente Lula em pessoa, ministros, presidentes de bancos e empresas estatais em negociações diretas com os beneficiados. Não havia isonomia; havia a política dos campeões, dos privilégios e privilegiados, principalmente em matéria de desonerações fiscais. Por causa disso, mais escândalos, como a venda de medidas provisórias para o setor automotivo, estão surgindo.
Atalho
No governo Dilma, o Conselhão passou ser apenas mais uma caixinha no organograma da Presidência da República. O estilo mandão e a autossuficiência da presidente da República dispensavam a interlocução com seus integrantes. O resultado foi a transformação do Instituto Lula, no Ipiranga, em São Paulo, em muro das lamentações de empresários, políticos e lobistas. O esquema do “petrolão”, porém, já estava montado e tinha vida própria. Assim como outros que estão sendo descobertos em estatais de energia e fundos de pensão.
O esquema entrou em colapso porque a nova matriz econômica de Dilma Rousseff foi um fracasso e a Operação Lava-Jato, quase que por acaso, começou a desnudar o sistema de lavagem de dinheiro da corrupção, no final do primeiro mandato. Entretanto, a iniciativa de ressuscitar o Conselhão anunciada ontem pelo governo está fadada ao fracasso, porque aposta num atalho para restabelecer a confiança da sociedade no governo e para pactuar a nova política econômica com o mercado. Não resolve a questão fundamental para isso, que é a construção de um consenso nacional em torno da “grande política”, cuja agenda emergencial é enfrentar a crise ética e reequilibrar as contas públicas.
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