Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos?
A República de Bruzundanga, de Lima Barreto, completa 95 anos, uma efeméride pouquíssimo lembrada, a não ser por alguns estudantes de Literatura. Às vésperas de Natal de 2014, ela já havia sido abalada por um escândalo envolvendo a maior empresa estatal do país, uma petroleira, e os donos da nação, entre os quais estavam a Mandachuva — a primeira mulher a assumir a Presidência — e seu padrinho, o Mandachuva que a antecedera. O problema é que ninguém ainda sabia disso, a não ser o cronista que reconta essa história, num tributo ao escritor carioca maldito (ele era pobre, mulato e gay).
No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que estava preso ameaçara contar tudo o que sabia à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da nação, se o marido passasse o ano-novo na cadeia. Estava revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal em um balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal.
Por essa razão, o executivo foi solto, chegou a fazer uma delação premiada, mas ela foi incinerada pelas autoridades porque houve um vazamento do conteúdo para jornais e revistas sensacionalistas, que insistiam em escandalizar o povo com os podres da República. O problema é que ele não desistiu, negociou nova delação, com mais 40 executivos da empresa. Em sua obra póstuma, o mestre do escárnio já havia desnudado a essência de Bruzundanga. Quase cem anos depois, nada havia mudado quanto aos costumes políticos. Só as velhas patacas foram substituídas pelo barusco, a moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizavam o mundo naquele Natal. Mas já estavam inflacionadas pela enxurrada de dólares que jorraram das plataformas da petroleira para misteriosas contas no exterior.
O ex-mandachuva continuou a trajetória como aquele personagem de Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, o Conde Fosca, já citado em 2014, quando começou a Operação Enxuga Devagar. Se vocês não se lembram, por ser imortal, esse personagem podia decidir o que quisesse, os outros pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Naquele Natal, a esposa de um executivo da petroleira que havia sido preso procurara o secretário particular do ex-mandachuva e avisara que contaria tudo se o marido continuasse em cana. Ele também foi solto a tempo de participar do amigo oculto da família, graças à Mandachuva, que gastou um dos cartuchos que tinha no tribunal para conseguir-lhe um habeas corpus. Coisas que ainda aconteciam em Bruzundangas.
Privilégios
Mas havia um juiz ferrabrás numa das províncias que resolveu subverter a ordem natural das coisas e pôs em cana todos os envolvidos no escândalo ao seu alcance. O ex-diretor da petroleira, convencido pela família, resolveu falar o que sabia. Relatou três encontros com o ex-mandachuva, que tinha conhecimento de tudo o que se passava na petroleira e agora ele está na iminência de ser preso. O executivo da estatal também entregou a ex-mandachuva, que meteu as mãos pelos pés e, no passado, acabou apeada do poder. Agora, também corre o risco de ser condenada e presa.
No meio de tanta confusão, o vice-mandachuva assumira o poder. Nele ainda se equilibra para terminar o mandato e chegar às eleições nacionais do ano que vem. A situação no país continua delicada. Durante a crise mundial, o povo viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é acabar com os privilégios e reinventar a economia, mas a elite política, os empresários que mamam nas tetas do governo e a alta burocracia resistem às reformas. Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos? O escândalo na petroleira virou o país de cabeça pra baixo. Quem foi mandachuva em Bruzundanga jamais perde a majestade. Na quarta-feira, ele será interrogado pelo juiz ferrabrás. O problema é que o tal magistrado veio de Curitiba.
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